TAP em morte cerebral
Como diz a canção, “é preciso morrer e nascer de novo”, mas sem os vícios do costume
Em junho de 2021, a companhia aérea detida pelo Estado Português coloca uma francesa a presidir à comissão executiva e anuncia uma nova vida com um plano de reestruturação de 4 anos que impõe aos contribuintes portugueses uma injeção de 3200 milhões de euros. Christine Ourmières-Widener, a nova presidente da comissão executiva da TAP foi depois ao Parlamento, em setembro de 2021, já em plena fase de retoma económica, confirmar que se encontrava em curso um despedimento coletivo que finalizou um mês depois. No final de dezembro de 2021, surge a notícia da aprovação do plano de reestruturação da TAP que obrigava a companhia a ceder 18 “slots” horários no aeroporto de Lisboa e a diminuir a frota, de 108 para 96 aviões, isto depois de ter já reduzido a massa salarial. A Comissão Europeia foi, no entanto, muito pouco exigente em matéria de concretização do tão invocado “interesse estratégico nacional” e, lamentavelmente, também não previu obrigações concretas nas ligações aéreas com as regiões autónomas insulares ultraperiféricas. Em abril de 2022, depois de ter dispensado cerca de 1500 trabalhadores e enquanto se encontram pendentes nos Tribunais 200 pedidos de reintegração, Christine Ourmières-Widener surpreende: “Estamos a contratar 250 novos tripulantes”. Que opção estranha: primeiro despede porque tem de reduzir custos, litiga e paga indemnizações e, depois, contrata, porque afinal precisa. Na mesma altura, no dia 12 de abril de 2022, e apesar de um aumento de 218,8 milhões de euros de receitas de passageiros, a companhia aérea anuncia um prejuízo de 1600 milhões de euros em 2021. A 19 de abril de 2022, surgia uma notícia que dizia que a TAP, que tem 50% das “slots” do aeroporto de Lisboa, “desperdiça por dia cerca de 100 desses horários preferenciais a que tem direito”. É, pois, evidente que a TAP continua a ser um desastre de gestão e a subsistir apenas à custa do dinheiro dos portugueses que absorve sofregamente, sem piedade e sem retorno, sem controlo e sem responsabilidade, sem vergonha, cometendo erros atrás de erros, numa gestão sem estratégia e sem visão que transforma a companhia aérea numa verdadeira casa dos horrores. Por trás da apatia anémica da monocórdica Madame Christine Ourmières-Widener, há um Governo da República que é dono da companhia e que se esconde de uma forma absolutamente irresponsável, insensível e covarde. E, assim, os sucessivos anúncios de uma nova vida vão sendo adiados enquanto a importância da TAP se vai resumindo aos argumentos atirados ao vento para justificar as sucessivas idas ao bolso dos portugueses perante a inércia hipnótica das entidades que devem controlar dinheiros públicos. A TAP é hoje o desastre que se sabe e que começa na péssima gestão financeira e comercial e acaba na forma como muitos dos seus colaboradores tratam o cliente que, neste caso, é, também, um cidadão contribuinte que suporta a companhia. Há má gestão, incompetência, desleixo, desorganização, incúria, insensibilidade, irresponsabilidade, descontrolo, prejuízos, falta de rigor e de estratégia, cancelamentos, overbookings, falta de capacidade de resposta, prepotência, arrogância, falta de comunicação, de atenção e de informação, reembolsos bloqueados, desconsideração e falta de qualidade, falta de educação e de respeito, por vezes agressividade e desordem que fazem lembrar os transportes públicos do Bangladesh, estes talvez mais humanos. Parece-me que temos sinais evidentes de que a TAP poderá já não estar num coma profundo, mas sim numa verdadeira situação de morte cerebral com ventilação artificial. E, nestes casos, todos sabemos que há um só caminho. Como diz a canção, “é preciso morrer e nascer de novo”, mas sem os vícios do costume. Talvez iniciar uma nova vida passe por morrer com todos os que a mataram. Aliás, devo dizer que tenho muita dificuldade em perceber o facto desta empresa se manter à margem do regime legal que em Portugal obriga qualquer entidade que incumpra obrigações vencidas a apresentar-se à insolvência.