Objetivo estratégico do ocidente é enfraquecer Rússia militar e economicamente
O objetivo "estratégico" do ocidente após a invasão russa da Ucrânia tornou-se enfraquecer a Rússia e tornar impossível uma nova operação militar contra membros da União Europeia ou da NATO, considerou à Lusa o académico Arkady Moshes.
"O ocidente é muito claro sobre o que pretende obter estrategicamente, e que é enfraquecer a Rússia, tornar impossível à Rússia voltar a considerar outra operação militar contra membros da União Europeia ou da NATO", indicou em entrevista à Lusa o investigador Arkady Moshes.
"Enfraquecer a Rússia é aquilo em que o ocidente está agora concentrado, na Ucrânia e na economia. Em simultâneo, os países do Sul e alguns dos países mais importantes do oriente estão a balançar, a tentar extrair benefícios, em particular económicos, mas não pretendem apoiar a Rússia no seu confronto com o ocidente", precisou o diretor do programa para a Europa de leste e Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA), sediado em Helsínquia.
Os países do mundo não incluídos na "geografia" ocidental - em particular da Ásia, África ou América Latina - "querem ter uma posição balanceada, e garantir vantagens económicas, mas decerto que não estão preparados para viver num mundo bipolar em que teriam de ser apenas aliados da Rússia contra o ocidente. Não é a situação", adiantou Moshes.
"O ocidente é claro no que pretende obter do ponto de vista estratégico, o Sul não é estratégico nas suas escolhas, apenas pretendem obter benefícios táticos temporários, talvez em simultâneo da Rússia e do ocidente", acrescentou o investigador, também membro do Programa de Novas Abordagens sobre Pesquisa e Segurança na Eurásia (PONARS, Eurásia).
A recente parceria estratégia entre Moscovo e Pequim para uma "nova ordem multipolar" pode ser menos sólida face ao que aparenta, afirmou Moshes, apontando que a Bielorrússia, Eritreia, Coreia do Norte e Síria foram os únicos países que "tiveram a coragem de apoiar abertamente" a Rússia ao votarem contra a condenação da invasão militar de 24 de janeiro à Ucrânia na Assembleia-geral da ONU.
"A China apoia a Rússia enquanto for confortável fazê-lo, e conseguir beneficiar com isso. Por um lado, tem um conflito com os Estados Unidos e um PIB de 20% à escala global, com outros 20% assegurados pela Europa, enquanto a Rússia garante 1% do PIB global. A escolha é mais ou menos clara", disse.
Em relação à Índia, também com uma atitude algo "distanciada" na condenação da invasão à Ucrânia, sublinhou a indecisão que detetou na liderança de Nova Deli.
"A Índia está indecisa, beneficia da compra de petróleo barato vindo da Rússia, mas não pode ser um substituto e tem outros assuntos a resolver, as relações com a China, o sistema de alianças de segurança com as potências ocidentais que a Índia tem construído cautelosamente nos últimos 10-15 anos, e que não está disposta a prescindir".
Ao referir-se à atual situação militar na Ucrânia, Arkady Moshes admitiu que ainda se assiste a uma "fase muito inicial" deste conflito, e sem perspetivas de negociações de paz.
"A liderança ucraniana não pode fazer concessões à Rússia, não pode mesmo 'congelar' a situação, onde atualmente se encontra a linha da frente, porque isso não é aceitável pela nação após todos os sacrifícios, e as atrocidades cometidas pelos russos, em particular no norte do país", justificou.
"A Ucrânia não pode aceitar nada menos que a situação em que se encontrava antes de 24 de fevereiro. Diria que agora pretende alcançar mais, restaurar a integridade territorial nas suas fronteiras internacionalmente reconhecidas", admitiu, e num cenário de aparente impasse.
"Politicamente para Kiev é muito difícil reivindicar menos do que isso. Mas em simultâneo, para Moscovo, a situação existente antes de 24 de fevereiro é muito pouco. A Rússia está a registar perdas económicas colossais, que podem agravar-se, e os ganhos são minúsculos".
No entanto, o académico adverte que uma das características do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, é nunca recuar perante um cenário desafiante.
"É como o crocodilo, não efetua retirada. A Rússia enfrenta difíceis decisões, mas diria que a Rússia está a considerar decisões que impliquem uma escalada da guerra. E a forma de escalar a guerra, enviar mais armamento e mais tropas", mesmo que exclua a eventualidade de Moscovo decretar a mobilização geral e uma declaração de guerra à Ucrânia.
"Essa decisão seria politicamente difícil de justificar. Mas uma mobilização parcial é possível, para além do pretexto. Um aumento das forças em atuação no território ucraniano, e tentar obter uma vitória visível, mais do que garantirem o corredor terrestre em direção à Crimeia ou Mariupol".
Apesar de considerar o que o fim da guerra não está próximo, o diretor do programa para a Europa de leste e Rússia do FIIA sustenta que o tempo "está a jogar contra a "Rússia", mesmo que também não funcione para a Ucrânia "porque está a ser destruída, incluindo o seu potencial económico".
"A guerra termina em duas situações, quando um dos lados for totalmente derrotado, ou quando se atinge uma situação em que os dois lados não podem prosseguir a guerra. Atualmente, não existe nenhuma destas duas situações, porque nenhum dos lados admite derrota, e ambos podem prosseguir a guerra", frisou.
"Assim, e infelizmente, a guerra vai prosseguir, é o que se perspetiva", concluiu.