Viragem sobre adesão da Finlândia à NATO deu-se após 'ultimato' da Rússia
O processo de adesão da Finlândia à NATO registou o ponto de viragem quando a Rússia emitiu um ultimato contra o alargamento da Aliança ao leste europeu, afirmou à Lusa o investigador Arkady Moshes.
"Tudo começou a mudar em novembro passado, quando a Rússia avançou com um ultimato e referiu que não deveria registar-se mais nenhum alargamento da NATO, em particular no leste da Europa, e que na Finlândia foi entendido como um veto às decisões soberanas do país", indicou em entrevista à Lusa Arkady Moshes, diretor do programa para a Europa de leste e Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA), sediado em Helsínquia.
O académico indicou que atualmente, o apoio à adesão à NATO "é suficiente", com opiniões favoráveis entre 60% a 70%. "E isto é o mais interessante, é um processo recente porque durante décadas o número de apoiantes neste país para uma adesão à NATO era entre 17% e 22%, por vezes 25%. Pelo contrário, a maioria era contra, entre 50% a 55%".
No entanto, demonstra alguma cautela, também pelo facto de considerar que o povo finlandês é "supersticioso", com tendência a nunca garantir factos consumados antes da sua concretização.
"Por exemplo, ouvimos as declarações do Presidente da Croácia [Zoran Milanovic], sobre a possibilidade de aplicar o veto. Nunca podemos estar 100% certos sobre nada, mas é muito provável a adesão à NATO. Assim o indicam as sondagens, e em circunstâncias normais é difícil pensar que pode ser travada", acrescentou.
Na terça-feira, Milanovic ameaçou vetar o convite à Finlândia e à Suécia sobre a adesão à NATO até que seja alterada a lei eleitoral na Bósnia-Herzegovina, que considera discriminatória para os croatas bósnios, e quando a adesão de um país à Aliança tem de garantir unanimidade entre os Estados membros.
No entanto, a Finlândia aguarda uma ratificação "o mais rápido possível" pelos 30 países da NATO em caso de candidatura única, ou juntamente com a Suécia, para a adesão à Aliança militar ocidental, como indicou na quarta-feira a primeira-ministra Sanna Marin, no final de uma cimeira em Copenhaga entre a Índia e os países nórdicos.
Uma opinião partilhada pela sua homóloga sueca Magdalena Andersson, ao considerar que a Rússia foi "clara" quando declarou que "responderá" a um eventual pedido de adesão dos dois países escandinavos.
Apesar de optar por não se pronunciar sobre a Suécia, um país mais "recuado" geograficamente, o académico recordou que a Finlândia possuiu 1.300 quilómetros de fronteiras comuns com a Rússia, e que os dois países estiveram envolvidos num conflito no início da Segunda Guerra Mundial, entre finais de 1939 e inícios de 1940, na sequência da invasão militar russa.
"Estamos num processo que já mudou... As relações russo-finlandesas não poderão ser piores do que têm sido desde há alguns anos. Sempre foram pragmáticas, em particular a cooperação económica, as experiências históricas estavam presentes, mas não dominavam o processo de decisão político", precisou Moshes, também membro do Programa de Novas Abordagens sobre Pesquisa e Segurança na Eurásia (PONARS, Eurásia).
"A experiência histórica desempenha um papel importante", insistiu. "No final de 1939 e início de 1940, os britânicos em particular prometeram ajuda à Finlândia na sequência de invasão da Rússia, mas que nunca chegou" recordou.
"Por isso, e se existe uma ameaça à segurança ao longo da fronteira, é talvez mais seguro garantir uma potencial ajuda de segurança numa aliança, antes que algo aconteça", caso contrário "pode ser demasiado tarde".
O estatuto "neutral" da Finlândia, imposto ao país no final de Segunda Guerra Mundial, motivou que durante muitas décadas, em período de Guerra fria, a elite política adotasse uma "atitude cautelosa" face ao seu vizinho e superpotência nuclear.
"O consenso nacional baseava-se no entendimento de que a Finlândia tinha esse direito, de manter a opção da NATO em cima da mesa e apenas para si, mas não se pensava que fosse necessário nesse momento, caso a situação de segurança do país não fosse alterada", assinalou.
A perceção entre a opinião pública e dirigentes políticos de que a Rússia estava a "tentar privar a Finlândia da sua soberania" foi outro fator decisivo para a alteração da posição de Helsínquia, para além do início da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro
"Foi o ponto de viragem, e depois disso assistiu-se a um aumento do apoio, 40% em janeiro, 50% em fevereiro, e com o início da guerra da Rússia na Ucrânia aumentou para 60%. Somos um país democrático e se existe legitimidade democrática para alguma decisão, não de deve contrariar", enfatizou.
Com a guerra na Ucrânia, a situação de segurança da Finlândia alterou-se e as discussões a centram-se nos passos a tomar perante a perspetiva de um novo cenário geopolítico, apesar de Arkady Moshes sublinhar que a abordagem da Finlândia face á Rússia difere da adotada pela Alemanha, e não se pode comparar com as posições da Áustria, Hungria, mesmo Itália, muito dependentes dos recursos energéticos.
"A Finlândia tinha uma posição de princípio em relação às sanções económicas, ao apoio político à Ucrânia, o Presidente finlandês [Sauli Niinistö] participou no encontro da Plataforma da Crimeia na Ucrânia em 2021, uma atitude muito significativa em termos de política externa finlandesa", frisou.
"As relações já mudaram, e refiro ainda que mais de 80% dos finlandeses pensam que a Rússia é uma ameaça militar. Quer se esteja na NATO, ou fora da NATO. É uma ameaça militar", reafirmou o diretor do programa para a Europa de leste e Rússia do FIIA.
O facto de a Ucrânia não ser membro da NATO e "estar a lutar por si" foi outro fator que exerceu uma influência decisiva na atual "viragem" finlandesa.
"É mais seguro ser membro da Aliança. As pessoas estão obviamente preocupadas com a pressão, a guerra híbrida, as violações do espaço aéreo, menos com as repercussões no comércio porque já aconteceram, mas está a ganhar apoio o contra-argumento de que é melhor ser membro da NATO que lidar um a um com a Rússia", concluiu.