Os rostos de Jesus ressuscitado sem algoritmo nem racismo
As leituras sobre a ressurreição recordaram-me as palavras do meu mestre de formação aos 18 anos, repetidas aos noviços: não se esqueçam de ver Jesus nos doentes que assistem: é Ele que recebe o bem que lhes fazem. Isso ajudava bastante. Fazia nessa altura as práticas do estágio numa enfermaria de pacientes bastante perturbados pelas suas doenças e limitações. Mudá-los, dar-lhes banho, suportar os seus arrebatamentos e violências era um desafio que requeria motivação genuína. Um deles tentou agredir-me, outro imobilizou-me os braços. Teria Jesus tantos rostos como há pessoas? Não sei, mas parece que sim. Lá para os lados de Cesareia de Filipe, das nascentes do Jordão, em que lavei os pés, perguntou aos discípulos: quem dizem (o que dizem) que é o Filho do Homem? E logo ali as respostas se dividiram por vários rostos ou figuras; Elias, João Batista, profetas. Mas Jesus queria mais precisão, não sobre rostos. E vós quem dizeis que eu sou? Pedro foi claro na resposta; não falou de aparências, mas da substância do ser de Jesus. Jesus assumiu a natureza Humana que está em todas as pessoas sem, por mais mal-encarada que pareça.
Nos relatos da ressurreição e aparições aos discípulos que rosto aparenta? Os evangelistas não se limitaram a uma figura ou rosto único. Foram realistas nos seus registos (Cf. Emmanuel Carrère, O Reino, 2021, pp.238). Madalena viu uma figura de jardineiro; os discípulos de Emaús, um viajante interessado na companhia; os discípulos no cenáculo, medrosos; um homem de corpo subtil que entra com as portas fechadas, a saudar, dar a paz e a pedir alguma coisa para comer; e a negar que fosse um fantasma. E ainda a mostrar a Tomé que era o Homem das chagas. À terceira vez, à beira do lago, era um pescador a pedir peixe, feito cozinheiro, a convidar a pescar e a preparar uma refeição com pão e peixe assado. Marcos diz que a dois deles apareceu com “aspeto diferente”. Além disso era Alguém à procura de “tus” que se interessavam e procuravam fazer-lhe algum pedido do que precisavam. E, caso admirável, logo que Jesus dizia ou fazia alguma coisa à sua vista, para eles ou a seu pedido, todos sabiam quem era. Não pelo rosto, mas por quem Ele era mesmo: o Mestre, o Jesus da Lei e dos Profetas e da Última Ceia, o que lhes tinha revelado o Espírito Santo, perdoado os pecados. Era o da Cruz, o que lhes tinha falado da ressurreição, era o Senhor, o da Igreja, fundada sobre Pedro, o pastor das suas ovelhas e cordeiros. Já ninguém perguntava quem era.
Afinal, Jesus, a Palavra do Pai, nas aparições falou, disse palavras, usou a linguagem do coração mais para ser ouvida e entendida pelos corações que para ser visto só com os olhos. O que Ele lhes pedia era que o vissem em cada um dos mais pobres, pequenos, doentes, necessitados. Tive fome…sede… frio…necessidade de ser acolhido, visitado, cuidado, e vós socorrestes-Me, qualquer que fosse o meu rosto e aspeto. O olhar do vosso coração reconheceu-me mesmo sem recorrer às fotos e retratos espalhados aos milhões pelos facebooks e galerias de gente fina. O meu mandato: «ide, por todo o mundo, e proclamai o Evangelho» e as minhas palavras ajudam o vosso coração a reconhecer-Me no mais pequeno e cuidar de mim. É maravilhoso! Bastante diferente de reconhecer pelo algoritmo para fidelizar os consumidores que dão lucro. Diferente do capitalismo pseudodemocrático, de uma globalização sem leis nem fronteiras, para lucrar e deixar mais miseráveis a morrer à porta de mais endinheirados que não Me veem nem me ouvem.
Aires Gameiro