Crónicas

O instantâneo, o movimento na e através da imagem fotográfica

A História da Fotografia, (assim mesmo, com maiúsculas), esse campo disciplinar não exatamente autónomo, devedor quer da tradição heurística das Ciências Sociais, (e da História, em particular), quer da Estética ou dos campos por si só mais multidisciplinares da Teoria da Imagem ou da Cultura Visual, estabelece-se, não raras vezes, em confronto com certos a priori que, de uma ou outra forma, circulam acerca desta arte, meio e técnica que designamos de fotografia. É portanto natural que os teóricos e investigadores da fotografia tentem, não raras vezes, apontar, baseando-se na investigação histórica (sobretudo), para algumas dessas conceções erradas ou redutoras, quase sempre assentes em elipses temporais, nas quais repousa a perceção da história, da prática e (das) especificidade(s) da imagem técnica.

É exemplo disso a noção de “instantâneo” fotográfico e do movimento representado não só na mas (essencialmente) através da imagem, por o próprio conceito de fotografia comportar o cliché da imobilização do instante e, em certa medida, o do congelar do movimento. De tal forma, que essa noção de instantâneo parece hoje ser sinónimo da própria “fotografia” desde o seu aparecimento em meados do século XIX, em cerca de 1826. Num seminário de apresentação do seu mais recente livro, Photographie & Cinéma: de la différence à l’indistinction, Philippe Dubois, teórico da imagem, professor de teorias das formas visuais na Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3, lembrou-nos que nos primeiros cinquenta anos da fotografia (e, de forma muito clara, nos primeiros vinte) – devido a constrangimentos técnicos que obrigam a longos tempos de exposição do material sensível à luz para uma efetiva captura da imagem – esta representa exclusivamente aquilo que é “imóvel”, uma vez que os elementos em movimento não deixavam o seu traço em imagem. Refere então Dubois (que, em 2019, tivemos a oportunidade de ouvir no Funchal no âmbito da Conferência Internacional Fotografia e Viagem, no contexto da reabertura do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s), que não apenas “essa captura instantaneísta do movimento vai, paradoxalmente, construí-lo em pose visual numa imagem “parada”, como em emblema fixista dos movimentos do mundo.” (pág. 15, tradução minha). O movimento congelado irá, portanto, impor-se como estética fotográfica hegemónica desde finais do século XX até à primeira metade do século XX, confundindo-se com a própria ideia (ou identidade/essência) da fotografia. Essa dimensão altera a nossa relação com a ideia de imobilidade, a qual, deixa de ser aquela do objeto fotografado, até então indispensável para que este apareça na imagem, enquanto imagem. Mais do que de imobilidade passa a estar em jogo a imobilização na fotografia daquilo que se move na realidade, passando a estar ali “para sempre” petrificado, congelado. E é óbvio (mas não deixa de ser curioso), que essa representação do movimento pela sua imobilização é algo que apenas conseguimos ver, percecionar, através da fotografia, e não a olho nú - bela expressão aplicada a uma relação do olhar com a realidade da qual está ausente o apetrecho e a imagem técnica: a fotografia, o cinema e suas variantes digitais (e imbricadas). Ou seja, uma relação com o real, (na sua visualidade, e imagética), que é praticamente impossível de concebermos hoje. Mas isso é, porventura, todo um outro assunto.

Ana Gandum
com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.