Madeira

Ampliação do Porto do Funchal está "mal estudada"

António Trindade, Ricardo Vieira e Miguel de Sousa falaram sobre o assunto colocado em cima da mesa por Leonel de Freitas

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A ampliação do Molhe da Pontinha, no Funchal, foi um dos temas abordados pelos três comentadores do Debate da Semana. António Trindade, Ricardo Vieira e Miguel de Sousa falaram sobre o assunto colocado em cima da mesa por Leonel de Freitas e que ‘agitou as águas’ do programa emitido na antena da TSF-Madeira.

O primeiro a usar da palavra foi a figura histórica do PSD-Madeira que recordou, inclusivamente, ter sido responsável por uma ampliação do Porto do Funchal e da “tarefa hercúlea” que foi também projectar o Porto de Abrigo do Porto Santo, empreitada também lançada enquanto governante.

Feita a retrospectiva, Miguel de Sousa ficou surpreendido com os 150 milhões de euros que serão destinados ao prolongamento do Porto do Funchal e não evita fazer comparações.

Não estava à espera desse valor (...) O meu problema é só este: temos um hospital a ser construído, que só começou quando alguém se ofereceu para dar metade - ou conseguimos convencer o Estado a entrar com metade, porque senão não havia novo hospital. Parece que a saúde é uma coisa fundamental e se não vai para a frente é por razões sobrenaturais, que impedem que se melhore o sistema de saúde. Ora, então não há para isto e de repente há para o Porto do Funchal? Miguel de Sousa

Miguel de Sousa só aceita discutir este assunto “quando perceber como é o financiamento” e estabeleceu logo comparações com as Ilhas Canárias.

“No Porto de Las Palmas fizeram um contrato com o senhor do Armas para a construção de um molhe e de seis posições de atracação de navios. Fizeram uma concessão de 50 anos, ou seja, constrói e daqui a 50 anos isso é nosso. Preciso de perceber o financiamento. Onde é que se vai buscar? Primeiro, não é 150 milhões! Quem tiver a dizer que é 150 milhões... Eu ouvi a primeira conversa dos 100 milhões e ainda bem que não disseram 50 milhões ou 10 milhões, porque senão tinha começado muito mal”, visou.

A solução deve assim passar, na sua opinião, por uma “concessão” que garanta a ampliação e, por conseguinte, essa mesma entidade explore “durante os anos que quiser” de forma a rentabilizar “aquele espaço” e ao mesmo tempo “pagá-lo” para que a Madeira possa ficar “com o Porto ampliado”.

E voltou a bater na mesma tecla. “O meu problema não é aumentar o Porto. O meu problema é saber como é que vamos financiar essa obra. Também oiço dizer que o Porto de Palma de Maiorca limitou a três barcos, em simultâneo, para não pesar muito sobre a cidade o número de turistas. Os barcos são cada vez maiores, por isso é preciso estudar bem. Não percebo como é que se mandou fazer um projecto. Ainda não me deram uma justificação para isso. O que é que vamos ganhar? Quanto é que estamos à espera de ter rendimento com isso?”.

Já António Trindade apresentou a sua visão não só numa “lógica de cidadão”, mas também “empresarial”. O CEO do Grupo Porto Bay deixou logo uma questão no ar. “Quantos dias por ano este aumento de Cais serviria para novas acostagens?”. A resposta veio no segundo seguinte.

O número de dias em que há efectivamente overbooking - impossibilidade de receber mais barcos - é um número mínimo, é um número muito pequeno, porque já está encontrada a dimensão deste Porto e não há aumento de procura. A Madeira, em termos de cruzeiros, é uma Região normalmente procurada nos períodos de passagem dos barcos das Caraíbas para o Mediterrâneo e do Mediterrâneo para as Caraíbas. Depois, há um novo período, no Inverno, nos cruzeiros entre Canárias e Madeira. Nós não somos necessariamente o grande destino, até porque estamos suficientemente afastados de um outro Porto que não seja as Canárias para permitir novas rotas. António Trindade

O empresário ligado à área hoteleira recuperou depois o Plano de Ordenamento Turístico (POT) que referia “há sensivelmente 10 anos” a capacidade máxima de camas da Madeira.

“Das 28 mil camas, passariam para as 30 mil e contemporizava-se com a possibilidade de a Madeira chegar às 40 mil camas. Acontece que, actualmente, só na hotelaria já atingimos este valor. E o Alojamento Local é responsável por qualquer coisa como 20 a 30 mil camas. Aquilo que se falava em termos de Ordenamento Turístico poderá estar actualmente a ultrapassar e muito as 50 mil camas turísticas. O que é que foi preparado para suportar isto? É fazer um Porto que possa eventualmente trazer mais seis ou sete mil pessoas por dia para a cidade do Funchal?”, observou António Trindade.

Recuperando a comparação de Miguel de Sousa com aquilo que se sucedeu em Palma de Maiorca, que decidiu fixar um limite no número de cruzeiros, António Trindade entende que “é necessariamente esta postura que temos de fazer, sem esquecer o que será o transtorno de umas obras de um Porto durante 'x' anos para a cidade do Funchal e não esquecendo uma outra coisa: com este aumento da capacidade hoteleira e do alojamento local nós voltamos a ter um défice de número de lugares no transporte para a Madeira”.

Se nós estamos a criar uma outra possibilidade de receber gente que vem tomar os cruzeiros aqui à Madeira e utilizar esses lugares, usando o Funchal como um 'hub' e não um destino, é mau. Os ‘turnarounds’ são um contributo perverso e negativo para a hotelaria da Madeira, para o turismo da Madeira, porque só traz gente ao aeroporto, desloca-os para o barco e saem. Não há consumo rigorosamente nenhum no destino. No passado Inverno, o número de alemães que passavam pela Madeira em cruzeiro era sensivelmente seis vezes mais do que o número de alemães que vinham de férias. Eu faço cruzeiros, eu gosto de cruzeiros, mas quando me perguntam qual foi o destino que eu regressei depois de ter feito um cruzeiro, apesar de ter gostado, eu digo-lhe: zero! Não voltei a nenhum destino. O ganho é manifestamente negativo. António Trindade

Quanto a Ricardo Vieira, o advogado começou por lembrar que a APRAM “é uma sociedade económica” e não “uma entidade pública de prestação de serviços sociais”.

“Está criada para ter rentabilidade e, portanto, naturalmente que os projectos que deve apresentar serão projectos rentáveis. É preciso ver qual será a rentabilidade daquilo. Quem é que vai pagar? Como é que vai ser pago? É para pesar em cima do Orçamento regional? É para estarmos aqui mais 30 ou 40 anos a pagar? Acho que está tudo mal estudado. Só por causa do Cais 8? Gastar centenas de milhões de euros para rentabilizar o Cais 8 fica caríssimo”, sublinhou, acrescentando não saber “se a evolução dos cruzeiros será aquela que estamos a pensar”.

É que “os locais de atração turística também não são muitos e estamos a ficar enxurrados”. Aliás, Ricardo Vieira referiu que no outro dia transmitiram-lhe que “no Rabaçal estavam cerca de 200 carros à espera” para estacionar.

Antes havia autocarros para 40 pessoas, agora há 20 carros

Entroncando com a questão levantada por Ricardo Vieira e suscitada pela pegada turística, António Trindade falou sobre uma problemática que tem merecido destaque no DIÁRIO.

Eu associo um aumento dos congestionamentos na serra e nas levadas com um factor adicional: o facto de estarmos a assistir a um rejuvenescimento do nosso turista. O que é que tem gerado? Tem havido uma grande volta na escolha do meio de acesso a estas infra-estruturas. Cada vez mais as pessoas estão a trocar o autocarro turístico pela sua viatura de aluguer. Isto quer dizer que quando antes havia um autocarro que levava 40 pessoas, agora há 20 carros para levar, cada um, duas pessoas. Não podemos ficar impáveis. António Trindade

“Em termos globais”, o empresário ligado a quem  assume que “o ciclo da procura é sempre muito mais rápido do que o ciclo da oferta” e se existe “um aumento de procura exponencial pela Madeira pergunta-se: que capacidade estamos nós a ter para poder suportar esta reacção?”.

Segundo o comentador, “um dos maiores motivos e das maiores prioridades que são encontradas por quem nos visita são efectivamente o interior da ilha e o mar”.

Acabamos assim por “discutir os problemas que se colocam nas levadas e nos acessos ao interior, mas o estado dos acessos ao mar, sobretudo na zona Oeste, onde tem havido um maior desenvolvimento de Alojamentos Locais e muito imobiliário, estão perfeitamente degradados”.

É muito bom que haja uma Ryanair ou uma easyJet, mas se esta gente vem encontrar um ambiente de gato por lebre é um péssimo contributo para a nossa afirmação como destino turístico. António Trindade

António Trindade apontou ao estado de degradação no acesso ao mar em freguesias como o Paul do Mar ou Jardim do Mar, e em concelhos como Ponta do Sol e Ribeira Brava. “A falta de cuidado nestas infra-estruturas é grave”.

Por seu turno, Ricardo Vieira viajou pelas “experiências” desse “Mundo fora” para que possamos entender como é que “essas coisas se fazem”.

Sobrelotação dos trilhos torna-se “insuportável”

Guias de montanha acusam a massificação turística nos percursos pedestres mais procurados da Madeira de estar a degradar a qualidade do destino. Instituto de Florestas prepara-se para contar o número de visitantes no Rabaçal. Limitar os acessos diários pode ser solução. É esta a notícia que faz manchete na edição impressa do DIÁRIO de Notícias da Madeira desta terça-feira, 24 de Maio.

“Se quiser ir ver o Museu do Vaticano ou quiser ir visitar a Sagrada Família, em Barcelona, sei o que tenho de fazer. Não é fácil. Não é chegar lá e ter a coisa acessível. Há limitações que têm de ser impostas. Se calhar começar por aí. Aumentar a segurança dos locais, condicionar os seus acessos e taxar. Como já disse, o taxar aumenta a responsabilidade da Região. Não se pode aplicar uma taxa sem prestar melhor serviço. Cuidado”, mencionou o advogado.

“Enquanto não podermos receber vamos ter de recusar”, complementou Miguel de Sousa, que acredita ser essa postura “melhor do que prestar um mau serviço, em péssimas circunstâncias de segurança, de tudo a magote”, onde “ninguém acaba por ter prazer”.

É um negócio que é preciso saber como fazer. Percebo que para alguns dos concessionários que estão nessas zonas é bom que cheguem muitos milhares de pessoas, porque se cada um deixar 1 euro vão cair bastantes euros, mas para a Região, no global, e para o sítio em particular, é muito mau. Fica tudo prejudicado. Se perder tempo dentro do carro, no Pico do Areeiro, é melhor nem voltar. Se estamos à espera que seja tudo assim, porque é que se volta de férias para termos uma má experiência? Ninguém volta. Miguel de Sousa

Sobre a questão de taxar entradas em pontos de atracção também será “preciso perceber que não pagamos nada”, ou seja, “é quase tudo à borla” e por isso “não fica dinheiro nenhum para concertar, reparar, fazer de novo ou criar”.

“É sempre um contar de tostões, ainda que vão aparecendo milhares de pessoas a mais no Pico do Areeiro, mas isso não dá nada”, resumiu.

SDM? "Em Junho isso rebenta e rebenta tipo bomba"

A Zona Franca da Madeira também foi objecto de análise por parte do painel de comentadores. Miguel de Sousa foi o último a falar sobre o tema, mas não foi meigo com a Sociedade de Desenvolvimento (SDM) e o próprio Centro Internacional de Negócios (CINM).

Questionado por Leonel de Freitas se a Madeira deveria abrir o capital social da SDM ao Estado português - tal como Miguel Albuquerque fez referência na última semana - Miguel de Sousa assumiu que esta entidade "é só despesa" e defendeu, inclusivamente, o seu encerramento.

A SDM vai dar prejuízo. A SDM, se for bem gerida, vai dar prejuízo, porque é só despesa promover a Zona Franca da Madeira. É um pouco como a Associação de Promoção da Madeira. É só despesa. No fundo, dar parte da despesa ou dar a despesa até era um alívio. Ao menos dava-se esse, já que não se ganha mais nada. Acho isto tudo ridículo. Temos de perceber que a SDM é um instrumento de promoção do CINM. Como instrumento tem uma actividade de promoção exterior e tem umas receitas, taxas paralelas ao sistema, que a faz compensar o seu trabalho. Miguel de Sousa

Estado com participação na SDM em troca de autonomia fiscal

Miguel Albuquerque quer Madeira região de baixa fiscalidade

Quanto a um futuro próximo, Miguel de Sousa admite que pode rebentar uma bomba, em Junho. “Agora temos este processo em tribunal europeu que vai condenar, pelo que já percebi - ouvi dizer que vai avançar rapidamente, estavam a pensar que em Junho isso rebenta e rebenta tipo bomba, porque vai obrigar muitas empresas a pura e simplesmente desaparecerem”.

“Eu fechava a SDM. Aliás, eu disse na campanha interna do PSD e, como vocês percebem, criou-me algumas dificuldades nos meus relacionamentos. Eu acabava com a SDM. O Governo Regional fazia o trabalho da SDM, através da Secretaria Regional das Finanças, como em Malta e em todo o lado. A SDM vale zero”, reforçou o ex-governante.

Relativamente a Ricardo Vieira, o centrista segue a linha de Miguel Albuquerque e adiantou que defendeu a participação do Estado no capital da SDM quando foi chamado para dar o seu contributo ao programa de governo do CDS.

“Defendi isso abertamente. Defendia que a participação da Região na SDM poderia e deveria ser estendida ao Estado”, disse-o com “razões” que lhe “pareceram, na altura, importantes.

A primeira era fazer com que o Estado tivesse mais interesse no Centro e em todos os benefícios. Segundo, acabar com um certo mal-estar, mesmo por parte de Bruxelas, e em terceiro lugar seria uma forma de resolver o endividamento regional, porque se a SDM pudesse propiciar receitas ao Estado isso poderia ser uma forma de compensar o pagamento da dívida regional. Defendi isso na altura. Nem a nível regional, nem a nível nacional tive grande equidade. Não sei se hoje faz grande sentido como na altura fazia, porque estávamos mais pujantes no CINM, mas acho que pode ser uma via. É preciso encontrar formas de cooperação e fazer com que o Estado também participe mais nas questões das Regiões sem pôr em causa a autonomia. Ricardo Vieira

Por seu turno, António Trindade pediu para não misturar as coisas. “Trazer o Estado para sócio da SDM é algo que em termos práticos não vai acontecer. Vale a pena olharmos para os resultados recentes da própria SDM, o que é facilmente gerado como um presente envenenado e que nestes ambientes é um mau prenúncio. Misturar alhos com bugalhos é mau. Pode-se entender como ir buscar um novo credor ou uma entidade que possa dar uma credibilidade acrescida à SDM, mas eu julgo que o ideal seria separar as águas e garantir que o Estado olhasse para esta área de desenvolvimento da Região como algo perfeitamente autonomizado”.