Crónicas

Pessimismo?

Apesar de disfarçarmos a suave angústia face às nuvens negras no horizonte e à funda incerteza alojada no coração do presente, não há como ocultar algum pessimismo: a vida é curta demais, todos julgávamos poder dela tirar melhor partido e assegurar algum futuro a partir do quotidiano que nos cabe; mas, a única certeza plausível é que nada podemos ter por certo. São mais que muitos os avisos para os tempos difíceis que vamos ter pela frente: das crises da economia global aos desastres do clima, da fragilidade das democracias à incapacidade de subsistência de milhões de pobres, da biodiversidade exaurida, que faz colapsar a vida na Terra, à artificialidade crescente das sociedades da abastança. Nada é o que parece. Muitas palavras, poucas verdades: as promessas mascaram sonhos fúteis de lunáticos precários, que falam de uma salvação qualquer no longo prazo — que é quando, afinal, estaremos todos mortos...

De tudo isto falava, há dias, ao E-Revista, a escritora canadiana Margaret Atwood, considerada um verdadeiro “radar humano” dos problemas criados face ao nosso futuro comum, tão expressivamente figurados nos romances distópicos que são boa parte da sua produção literária (de que o mais conhecido será, porventura, o que deu origem à série “Handmaid’s Tale”). Por isso se diz: “se aconteceu, ela já o terá escrito. Se o escreveu, vai acontecer”.

Vejamos: tal como a pandemia era uma realidade disruptiva, mas “longe de ser nova”, também a guerra —afinal antiga como o mundo, mesmo após 77 anos de paz na Europa — não deveria ser propriamente uma surpresa: “As pessoas habituam-se, pensam que é normal, que a guerra nunca mais vai acontecer. Esqueça. Não existe o ‘nunca mais’. As coisas voltam sempre”. E sempre que há uma guerra, “há atrocidades. Porque deixa de haver controlo (...) as pessoas em situações extremas, praticam atos extremos”. E os totalitarismos espreitam, pois “há gente que se infiltra nas democracias e consegue ser eleita” (tal como o foram Hitler, Trump e, vá lá, Putin). Daí o alerta: “As pessoas vivem na ilusão de que estão a fazer uma escolha. E a democracia ocidental não está isenta desse tipo de manipulação. Ninguém tem ‘free pass’. Ninguém pode dizer: ‘Isto não vai acontecer aqui’. Isso não existe (...) o que temos é um excesso de dinheiro concentrado no topo (...) serve para controlar eleições. Isso chama-se ‘oligarquia’ (...) as ferramentas e os slogans da democracia estão a ser usados para a destruir”. Na verdade, diz Margaret, “as grandes distopias do século XX começaram por ser utopias. Pense em Mussolini, na União Soviética, na Alemanha nazi, na China de Mao. Mas o primeiro grande exemplo é a Revolução Francesa”. Óbvio: conhecemos bem demais as consequências de tudo isso. Mas, teremos ainda um mundo pela frente? “Já ultrapassámos o ponto em que poderíamos reverter facilmente a crise climática e entrámos para um período em que teremos falta de recursos, guerras e fome (...) Não creio que consigamos matar absolutamente tudo antes de desaparecermos. Mas estamos a fazer um excelente trabalho nesse sentido”.

Do alto dos seus 82 anos, Margaret Atwood alerta para a incapacidade humana de ignorar as questões urgentes: “Somos pensadores de curto prazo”. Apesar de tudo, assevera, escrever é um ato de esperança: é “assumir que haverá um futuro”.

Vamos acreditar que sim, apesar do pessimismo (inevitável?). Mas, um pessimista é só um otimista bem informado...