Especialistas defendem que comunicação social deve ter "função mais pedagógica" sobre sondagens
Especialistas defenderam hoje que a comunicação social deve ter uma "função mais pedagógica" e crítica na análise das sondagens, considerando que o "enviesamento a favor da novidade muitas vezes desinforma" e que a "palavra-chave é educar".
Numa conferência intitulada "As legislativas de 2022 e a reforma do sistema eleitoral português", que decorreu hoje na Universidade Lusíada, em Lisboa, Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e coordenador das sondagens ICS/ISCTE para o Expresso e para a SIC, sublinhou que, quando se aborda o papel das sondagens na sociedade, o que o preocupa "não é tanto a qualidade da informação" produzida pelos institutos, "mas aquilo que a comunicação social faz com ela".
O investigador defendeu que, no que se refere ao discurso político sobre as sondagens, "há coisas sobre as quais não há muito a fazer", designadamente o facto de os políticos procurarem "sempre retratar os resultados das sondagens da forma que for sempre mais instrumentalmente favorável para a luta política".
"Mas a comunicação social não tem de ser passiva em relação a isto. (...) A comunicação social não pode ser uma máquina de reprodução de afirmações de políticos, tem que ter uma posição crítica: o seu dever não é com quem diz coisas, o seu dever é para com os leitores, é para com o público", salientou.
Pedro Magalhães sustentou que "a comunicação social devia ter uma função mais pedagógica, mais crítica em relação aos milhões de coisas que se dizem sobre resultados de sondagens".
O investigador referiu que, em tempo de campanhas eleitorais, "aquilo que se fala mais na comunicação social não é das políticas públicas, não é da substância dos temas, não é da vida interna dos partidos, nem sequer é das ações de campanha, é: quem vai à frente, quem vai atrás, quem subiu, quem desceu, que implicações é que isso tem e o que é que vai acontecer".
Pedro Magalhães referiu que "de toda a informação que uma sondagem ou um inquérito pode gerar", os órgãos de comunicação social tendem sempre a "focar-se na novidade, naquilo que parece ter mudado, e as muitas coisas que têm continuidade, muitas vezes não são notícia".
"Isto também é uma coisa quase inevitável, mas é uma coisa em relação à qual eu acho que a comunicação social -- e quem produziu esta informação, porque nós também temos a obrigação de, em diálogo com aqueles para quem geramos a informação, alertar, corrigir, completar, complementar -- esse enviesamento a favor da novidade muitas vezes desinforma", frisou.
Exemplificando, o investigador abordou as eleições legislativas de janeiro para referir que, a poucos dias do sufrágio, "a novidade era que, depois de não sei quantos anos, o PSD parecia estar a aproximar-se do PS".
"O que é que não era novidade? É que, em nenhuma sondagem, o PSD ultrapassou o PS. Só numa. (...) Mas isso passou ao lado e, como passou ao lado, e como não teve tratamento, mais uma vez eu penso que, de alguma forma -- e aqui não falamos da qualidade da informação, mas da maneira como ela é tratada, processada, consumida -- talvez não tivéssemos ficado tão bem informados como devíamos", sublinhou.
Neste painel da conferência -- intitulado "Opinião pública e sondagens" e moderado pelo jornalista Ricardo Costa --, Nuno Santos, CEO da empresa Pitagórica, que foi responsável pela elaboração dos 'tracking polls' nas últimas legislativas, também concordou com Pedro Magalhães, defendendo que a palavra-chave no que se refere ao tratamento das sondagens "é educar".
No entender de Nuno Santos, "há um papel fundamental que os institutos de pesquisa e que o setor deve fazer e continuar a fazer: é auxiliar e trabalhar com os 'media' para uma melhor comunicação".
O CEO da Pitagórica sublinhou também que é necessário o trabalho conjunto com a academia e com os cientistas, dado que se assiste, hoje em dia, a "novos paradigmas da descoberta de conhecimento".
"Nós vemos que hoje, à parte termos a eleição com mais covid-19, a mais participada nos últimos 20 anos, (...) com o maior espetro partidário, também foram as mais 'tweetadas', e nós não podemos esquecer que existem hoje outros palcos que nos passam muitas vezes ao lado (...) mas onde estão muitos sinais", disse.
O responsável abordou ainda uma eventual proibição das sondagens -- de maneira a não se influenciar os eleitores no momento do voto -- para referir que, na sua opinião pessoal, "é completamente anacrónico" que, "na década 20 do século XXI", se esteja a discutir essa possibilidade.
"Eu acho que é um dever informar, é um dever ser informado, e vocês querem ser informados porque, se eventualmente existirem pistas -- e, agora, sem tomar absolutamente partido nenhum -- de uma ascensão do [Presidente russo, Vladimir] Putin em Portugal, vocês queriam ter essa informação e queriam tomar decisões com base em informação", salientou.