Um mar de doenças e problemas
Lixo, aquecimento da água, sobrepesca, acidificação ou perda de oxigénio são problemas para os quais a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas em Lisboa vai procurar soluções, a partir da certeza de que os oceanos estão doentes.
A degradação dos oceanos é provocada especialmente pela atividade humana, que, por exemplo, todos os dias deita no mar uma quantidade de lixo estimada em oito milhões de toneladas.
E em cada ano chegam aos oceanos do planeta 11 milhões de toneladas de plástico, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, dos quais 80% provenientes de atividades em terra, que têm depois efeitos ainda não totalmente contabilizados nos ecossistemas e na biodiversidade marinha.
E a agravar a situação, as alterações climáticas, também elas em grande parte provocadas pela atividade humana, estão a mudar o ph da água do mar, tornando-a mais ácida, as calotes polares estão a derreter a ritmo acelerado, resultando na subida do nível médio dos oceanos e consequente impacto nas zonas costeiras.
Na lista de problemas que os oceanos enfrentam estão também fenómenos como o branqueamento de corais provocado pelo aquecimento anormal da água e a eutrofização (redução do oxigénio dissolvido na água) que pode, segundo os cientistas, criar 'zonas mortas' nos oceanos e, no limite, pôr em causa a vida no planeta.
São temas na agenda da segunda Conferência dos Oceanos da ONU, que vai realizar-se entre 27 de junho e 01 de julho em Lisboa e que, segundo as Nações Unidas, é uma oportunidade para um apelo global à ação para "reverter o declínio da saúde dos oceanos".
Há quase cinco anos, a associação ambientalista portuguesa Quercus enumerou, a propósito do Dia Nacional do Mar (16 de novembro), os 10 maiores problemas dos oceanos e desde então não há notícia de que algum desses problemas tenha sido resolvido ou revertido, mas são frequentes alertas sobre novos e futuros problemas.
Na altura, a associação falava da sobre-exploração da pesca, levando a uma considerável redução nas populações de alguns peixes, e da captura excessiva de espécies com ciclos de vida longos, como alguns tubarões e atuns, bem como da aquicultura insustentável, que promove a proliferação de poluentes, como antibióticos, nas águas marinhas.
Fertilizantes e pesticidas utilizados na agricultura acabam no mar, ao qual vão também parar elevadas concentrações de mercúrio, com origem por exemplo na mineração de ouro, e os milhares de toneladas de lixo, especialmente o não biodegradável, como os plásticos, que se fragmentam em microplásticos e contaminam toda a cadeia alimentar.
Os recifes de coral, ecossistemas especialmente ricos em biodiversidade, morrem quando a água sofre um aquecimento de meio grau centigrado por períodos prolongados, alertava também a associação. Mas o aumento da temperatura também altera rotas migratórias e provoca desequilíbrios nas cadeias alimentares.
Com o aumento das concentrações de dióxido de carbono na atmosfera, os oceanos absorvem também mais quantidades desse dióxido de carbono, um processo natural que quando levado a níveis excessivos provoca alterações do ph do mar que levam à acidificação, alterando ecossistemas, em alguns casos de forma irreversível.
Já em 2016, por ocasião do Dia Mundial dos Oceanos (08 de junho), a organização ambientalista internacional "World Wide Fund for Nature" (WWF) alertava para a necessidade de ação urgente contra o rápido declínio das espécies marinhas, cuja biodiversidade teve uma redução de 50% nas últimas quatro décadas.
De todos os problemas que a espécie humana causa aos oceanos um dos mais ameaçadores é a poluição, desde efluentes domésticos e industriais, muitos deles sem tratamento a toneladas de fertilizantes, pesticidas e outros produtos que por escoamento e infiltração acabam também no mar.
Os oito milhões de toneladas de plástico que se estima chegarem ao mar anualmente também estão carregados de substâncias tóxicas, que, além de não se degradarem (uma garrafa pode durar 450 anos no mar) ainda têm grande capacidade de agregar poluentes.
Apesar de legislação cada vez mais restritiva, continuam a ser produzidos vestuário ou produtos de higiene que contem microplástico (exfoliantes por exemplo). Estudos estimam que cada quilómetro quadrado de fundo oceânico contém quatro mil milhões de microfibras de plástico. Os microplásticos fazem hoje parte da "dieta" dos peixes. Um estudo que analisou o conteúdo do estômago de peixes na zona de Esposende detetou microplásticos em todas as amostras.
A Administração Oceanográfica e Atmosférica (NOAA, na sigla original) dos Estados Unidos calcula que os resíduos de plástico sejam a causa de morte de 100 mil mamíferos marinhos em cada ano e de milhões de aves e peixes.
A juntar a estes fatores há ainda outro igualmente provocado pela atividade humana que é a poluição sonora, causada por milhões de embarcações de todos os tamanhos e géneros, por atividades ligadas à pesca (de arrasto por exemplo), por mineração no mar ou pelas plataformas petrolíferas. Os sonares têm sido apontados como a causa de episódios de golfinhos e baleias que dão à costa em grupo, acabando por morrer.
No mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla original) cientistas do mundo inteiro alertaram para a devastação dos oceanos e das regiões cobertas de gelo, salientando nomeadamente o aumento das temperaturas marinhas, a falta de oxigénio e a subida do nível das águas do mar, duas vezes mais rapidamente do que no século passado.
Os oceanos, definitivamente, estão doentes. É a ONU a dizê-lo.