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A política da arte (II)

O vaivém da indecisão política e ausência de uma atitude coerente no que concerne à inclusão ou exclusão de artistas, desportistas e outros -istas russos e bielorrussos dos eventos internacionais continua, com reações acesas e exclusivas de ambos os lados da polarização. No mês passado, a Federação Internacional de Concursos de Música excluiu o Concurso Tchaikovsky, que tem sido, desde 1958, um dos mais emblemáticos concursos de música, da sua coletividade, devido ao mesmo ser “financiado e utilizado como uma ferramenta de publicidade pelo regime russo”. Por outro lado, há poucos dias atrás, a Associação dos Profissionais de Ténis (ATP), anunciou que não vai contabilizar os resultados do torneio de Wimbledon para a sua classificação, propriamente por o torneio (organizado por um clube particular) se ter recusado a admitir tenistas russos e bielorrussos para a edição deste ano. A ver se as decisões dos dois lados se mantêm. Mas, também no mês transato, o igualmente reconhecido Concurso Sibelius, de violino, a decorrer nesta semana, “desconvidou” os dois violinistas russos do concurso para o qual já foram selecionados, apesar de se ter declarado comprometido com a não-discriminação.

As incongruências continuam: a violoncelista russa Anastasia Kobekina, premiada em Concurso Tchaikovsky e em vários outros, viu os seus concertos na Suíça cancelados, apesar de já viver na Alemanha durante uma década e de se ter declarado publicamente contra a agressão russa. A explicação da gerência do local do concerto foi que, sim, a razão tinha sido a nacionalidade da artista mas que essa decisão não foi dirigida contra ela própria nem contra os artistas russos em geral?! E então a artista “cancelada” deu em vez destes, vários outros concertos, mas de beneficência e – em prol do povo ucraniano!

O pianista russo Alexander Malofeev, de apenas vinte anos de idade, foi pressionado para se pronunciar sobre a sua atitude perante o conflito e ele expressou o seu tormento interno: apesar de não apoiar a agressão teme que, se o declarar publicamente, vai prejudicar a sua família na Rússia – uma posição pouco invejável partilhada por muitos indivíduos nessa situação.

Já são muitos exemplos desta falta de coerência perante um dilema político, ético e moral. Eis o dilema: uma vez adotada como ferramenta de manifestação de solidariedade com o país agredido, a punição (a exclusão, suspensão ou banimento) deve ser dirigida contra a nação agressora, contra a nacionalidade associada, contra os vetores (artistas, desportistas, clubes, figuras históricas etc.) de promoção da nacionalidade e de realizações alcançadas em mais variadas atividades (agora, ou há cem ou duzentos anos atrás), ou, no caso das artes, propriamente contra a arte dum país, puramente por ter originado nesse país – agora ou há cem ou duzentos anos atrás?

O presidente russo “queixou-se” de que o seu país e tudo a ele associado está a ser “cancelado” pela sociedade ocidental. A cultura do cancelamento é um fenómeno recente e omnipresente, até ao nível mais trivial possível. Em casos sérios, o cancelamento está a ser utilizado como uma etiqueta politizada para fins próprios, por praticamente todos os atores da nossa sociedade e quase sempre com uma carga ideológica numa ótica da crítica moderna dos pecados e crimes cometidos ao longo do desenvolvimento da sociedade ocidental, ostentando uma atitude descontextualizada e revisionista. Infelizmente, como já se tinha argumentado, cada vez que se aplica indiscriminadamente essa atitude contra algo ou alguém associado com o país, alimenta-se essa narrativa do seu presidente e reforça-se a história fabricada que ele está a vender aos seus próprios cidadãos, para justificar muitas coisas: a de as democracias ocidentais serem inerentemente opostas a tudo que seja russo. É por isso que é importante a coerência e integridade nesse tipo de decisões. Caso contrário, cancelar artistas russos apenas alimenta a fogueira que o presidente acendeu.

Infelizmente, nem todos conseguem raciocinar de uma maneira criteriosa. Nos Estados Unidos, muitos negócios vistos como russos foram e estão a ser atacados, supostamente por pessoas que se opõem a invasão. O restaurante “Casa Russa” em Washington DC, cujo proprietário é um cidadão americano, foi vandalizado. Um outro proprietário, na Califórnia, um arménio que vive nos EUA já há 24 anos, que apoia a Ucrânia e em cujo restaurante metade dos empregados são ucranianos, recebeu ameaças de bomba, apenas por o restaurante servir comida russa. A absurdidade destas atitudes extremas de ódio e cancelamento indiscriminado é demonstrada pela vandalização de um restaurante que serve um prato franco-canadiano de queijo coalho com molho, apenas porque o nome deste prato, “poutine” é parecido com o nome do presidente russo. Enfim.