Crónicas

Direito ao sossego

1. Disco: Não me importo. Sei que o último disco dos Black Keys deixa um pouco a desejar. “Dropout Boogie” tem um conjunto de boas músicas, orelhudas. A faixa “For the love of Money” é do melhor que têm feito, um “blues rock” potente a que é impossível ficar indiferente. Desculpo-lhes tudo. São os Black Keys.

2. Livro: “Civilização”, de Niall Ferguson, é de leitura essencial. Cheguei-lhe pela mão de um amigo que sabe do meu interesse pelas questões civilizacionais e de geopolítica. Ferguson explica, aqui e ali com muito sucesso, o porquê da prevalência de algumas civilizações sobre outras. O Ocidente, como referência civilizacional, apoia-se em seis colunas que o separam do resto: espírito competitivo, revolução científica, sistemas políticos e sociais fortes apoiados na defesa da propriedade, avanços da medicina, oferta e procura de bens e acumulação de capital apoiada em bases éticas. Onde os outros falham, o Ocidente fortalece-se.

3. Na semana passada, estive presente numa reunião com moradores da Zona Velha da cidade. Pelo que me contaram, pelo que me mostraram, pelo estado de ‘stress’ em que se encontram, fiquei chocadíssimo.

Na nossa parte histórica da cidade (porque velhos são os trapos), na Rua de Santa Maria e transversais, vivem muitas pessoas que não conseguem descansar, principalmente aos fins-de-semana e vésperas de feriados.

Pessoas que são “agredidas” pela pretensa liberdade dos outros de se divertirem, de exercerem o seu direito ao desassossego. Agredidas por quem não entende que o único limite que a liberdade tem é o de não prejudicar o próximo. Este princípio não é respeitado.

Barulho que vai muito além da hora a que encerram os estabelecimentos, venda de álcool a menores, drogas (e não falo das leves, que tanto preocupam as autoridades e até merecedoras de campanhas são), casas de banho a céu aberto, agressões entre jovens machos que mais parecem rituais de iniciação, lixo empurrado para dentro das adufas. E não foi por me terem contado. Vi imagens: fotografias e filmagens. Ninguém, que veja o que eu vi, pode ficar indiferente. A não ser que não tenha sentimentos…ou seja parte interessada. Pergunto-me onde anda a polícia, a ARAE. O que fazem, a Câmara e o Governo Regional, em relação a este problema de saúde pública, gravíssimo?

Ficando indiferentes a tudo isto, plantamos agora um enorme problema no futuro. Na Rua de Santa Maria e travessas adjacentes vivem crianças, jovens e adultos que já não aguentam mais a violação dos seus direitos, que vivem em constante ‘stress’. Conseguem imaginar pessoas que trabalham a semana inteira e não conseguem desejar o chegar do fim-de-semana, que lhes assegure o merecido descanso?

Fica aqui o meu compromisso de tudo fazer, para que o direito à tranquilidade e ao descanso seja assegurado, a quem deles quer desfrutar.

As coisas não podem continuar assim.

4. Uma pessoa pensa que já viu tudo na vida. Mas a vida tem sempre mais qualquer coisa para nos mostrar. Aos 61 anos, tenho hoje a certeza de que o fundo não tem fundo. Há sempre um novo fundo para cada fundo a que se chegue.

Recebi, na passada semana, a factura da água da casa onde vivo no Funchal. Até aqui tudo normal. Não olhei para o verso da conta, não costumo fazê-lo. Um amigo alertou-me para o fazer.

Bateu-me um fundo do fundo. A CMF é uma instituição que reúne todos (sublinho todos) os habitantes do Funchal. Tem, por definição, uma capacidade executiva, sendo uma espécie de “governo” dos assuntos da cidade. O executivo tem de trabalhar para o interesse comum e deixar-se de polítiquinha miudinha. São estas coisas que fazem com que as pessoas se afastem e menorizem a actividade nobre que deve ser o exercício da política.

O verso da factura da água é das coisas mais vis que vi até hoje. Não porque o que lá vem não seja verdade, mas porque é politiquice partidária baixa. O nosso dinheiro, dos contribuintes, não pode servir para aquilo.

Caiu-me o queixo quando li o que ali vem. Uma folha inteira a acusar o anterior executivo do facto de este ano não haver qualquer tipo de devolução de IRS aos funchalenses. Claro que Miguel Silva Gouveia se pôs a jeito. Em fim de mandato, não se podia arriscar a tomar a posição que o seu executivo tomou. O que é que isto tem a ver com a actividade executiva da CMF? Não há obras a anunciar? Constrangimentos de trânsito? Uma campanha a favor da separação de lixos? Explicar como se vão enfiar 1500 carros num parque de estacionamento subterrâneo no Largo do Colégio?

Porque não gosto de mexer muito em porcaria, fica só uma pergunta: se como oposição, o PSD e o CDS, fizeram aprovar uma devolução de 4% do IRS, porque é que, como poder, só aprovam 2,5%?

Pela honra e glória do Senhor Jesus, que amava também as pessoas ridículas.

5. Magdalena Andersson, é a primeira-ministra da Suécia.

Ulf Kristersson, é o líder do principal partido da oposição da Suécia.

Juntaram-se os dois para anunciar o pedido de adesão do seu país à NATO. Como políticos, sabem haver valores mais altos do que a guerrinha partidária, do que as tricas e as questiúnculas.

Temos, na Madeira, problemas para resolver que carecem de mais do que uma legislatura. Alguém vê Governo e oposição a tentar (é só isso que se pede) entendimentos em prol da Madeira, em prol de todos nós, em assuntos como a educação e a saúde, p. ex.?

Bem pelo contrário.

6. Este governo regional faz-me lembrar a história do Pinóquio... o CDS é assim a modos que um grilo falante e o PSD é igualzinho ao Pinóquio: cada vez que fala cresce-lhe o nariz. Se uma pessoa se sentar na ponta, vai de ferry até Lisboa.

7. “VEMOS, OUVIMOS E LEMOS. NÃO PODEMOS IGNORAR...” Sophia de Mello Breyner Andersen. Vem isto a propósito dos que “emprenham” pelos ouvidos. Não vêem, não ouvem, nem lêem, mas tudo concluem com base nos títulos e nuns resumos apalermados realizados por alguns que se julgam profetas. É que pensar as coisas, tentar ver para além do título, é uma coisa que dá trabalho…o pensar cansa!

Apercebi-me disso na tropa, com um recruta que tentei fazer pensar: bufava, ficava vermelho e suava. Tivera sempre quem por ele pensasse, quem por ele decidisse.

Somos um povo assim. Sabemos de tudo, mas sempre pela rama. Se alguém houver que em três palavras nos resuma e por nós conclua tanto melhor!

Nem parecemos os mesmos a que a curiosidade, entre outras coisas, levou a descobrir novos céus do mundo…

8. A SIC dedicou o seu programa “Grande Reportagem”, da passada quinta-feira, ao RSI. Devia ser obrigatoriamente visto por todos os que enchem a boca com o assunto, debitando asneiradas, umas atrás das outras. É óbvio que, para essa gente, deve ser tudo mentira. Ainda há dias uns representantes partidários regionais debitavam andarem uns a trabalhar, para os do RSI estarem sentados de café.

Se tivessem visto o programa, o que é exigir muito, ficavam a saber que o rendimento por adulto, em média, é de 119,11€ e que o valor médio por família é de 262,26€. No limite, e no máximo, uma família com dois adultos e três crianças recebe 644,84€. Por mês dá cerca de 129€ para cada um. Renda de casa, água, luz, gás, alimentação, vestuário, são despesas que esta gente miudinha não contempla.

Pobre vulgaridade, com tamanha pobreza interior. A estes, sugere-se um RSI de cultura e conhecimento. Ou não, porque o mais certo era irem a correr comprar um Ferrari com o recebido.

Que há desvios? Que há aldrabices? Claro que há. Mas preocupam-me muito mais, as das falsas baixas, por exemplo.

P.S.: Os ciganos que usufruem desta fortuna, não chegam a 4% do total de todos os que beneficiam do Rendimento Social de Inserção. Só para saberem.