Crónicas

Portugal, beneficiário líquido da guerra

Quando, numa qualquer discussão sobre turismo, revelo que só a cidade de Lisboa tem mais turistas por ano do que o Brasil inteiro, grande parte das pessoas fica estupefacta e tenho quase a certeza que parte delas, fazem sorrateiramente uma busca no Google, para encontrar suporte que contrarie a minha versão. Mas essa procura sai invariavelmente frustrada porque os dados são objectivos e estão aí para quem os quiser analisar. Para vos poupar tempo e terem uma noção do que falo, em 2019, último ano (pré-pandemia) verdadeiramente credível em análise, Portugal registou mais de 16 milhões de turistas estrangeiros enquanto o Brasil pouco passou dos 6 milhões. Qual é então a razão para tal disparidade, quando o nosso país irmão é 92 vezes maior do que nós, está cheio de praias maravilhosas e tem um clima tropical? A razão principal tem um nome e chama-se segurança.

Se existe ao nível dos produtos turísticos uma grande diversidade na oferta, se uns gostam mais de praia e outros de campo, de cidades mais populosas ou tranquilas, mais radicais ou espirituais, se uns gostam mais da natureza e outros do que é cosmopolita, existe um ponto que é transversal a todas essas escolhas e que aparece invariavelmente no topo das exigências, quando escolhemos um destino para as nossas férias. É a forma como podemos andar seguros e despreocupados, sem ter que estar sempre a olhar para o lado ou para os bolsos, onde a taxa de criminalidade é manifestamente baixa, as crianças podem andar relativamente à vontade em praias vigiadas e os mais velhos não têm que ter receio de sair a pé para jantar com um relógio caro no pulso. Ora, se Portugal já figurava, antes da guerra na Ucrânia, na lista dos países mais seguros do planeta, agora, estando nós precisamente na outra ponta da Europa essa característica assume principal relevo.

Assume esse relevo por várias razões. Nós somos efetivamente beneficiários líquidos da guerra (como disse Marcelo), não há como o esconder por muito que possa parecer estranho dizê-lo desta forma. Primeiro porque o facto de sermos um país periférico (em relação à Europa claro), tantas vezes enumerado para justificar a falta de crescimento e estando nós nos antípodas da Rússia, nos confere um grau de segurança elevado. Para que a guerra aqui chegasse por terra teriam que dizimar a Europa inteira. Essa é a razão para os países nórdicos, os bálticos ou a Turquia serem nesta altura vistos como um risco. Segundo, por razões de iliteracia de alguns e mera estupidez de outros. Os primeiros porque não conhecem minimamente a geografia mundial e os segundos porque simplesmente metem na cabeça uma determinada convicção e nem se dão ao trabalho de confirmar as barbaridades que vociferam. Já vi ambos a colocar na lista negra países que não estando na extremidade como o nosso se encontram bem longe do epicentro do conflito, como por exemplo a Croácia. Quanto a este ponto não seria despiciendo voltarmos a ter os esféricos globos terrestres nas escolas e os famosos Atlas em casa para que possamos pesquisar quando existem dúvidas. Em terceiro o tema recorrente dos últimos dois anos. Sim, ainda o Covid. O facto de Portugal ter uma elevada taxa de vacinação confere-lhe uma segurança acrescida, ao invés por exemplo da Grécia, que é considerada uma verdadeira confusão de regras e procedimentos.

É no entanto importante termos em atenção vários aspectos fundamentais para que a euforia não se transforme em desilusão. Portugal tem neste momento um défice em várias áreas que tornam esta operação (que se fosse um filme se chamaria de “Uma Avalanche de Verão”) arriscada. Dos vários desafios que se colocam ao nosso País, refiro o que é mais premente e estratégico. Os recursos humanos. Falta mão de obra para os hotéis e restaurantes. Falta muita. E sem pessoas para trabalhar o serviço torna-se deficiente e demorado (ninguém gosta de esperar muito menos em férias) e em alguns casos os proprietários serão mesmo obrigados a encerrar portas, já existem aliás exemplos disso. Só há duas formas de conseguirmos ultrapassar este problema, subindo os salários do sector e as condições de trabalho desenhando assim perspectivas de futuro para os mais jovens ou importando trabalhadores, como por exemplo, desenvolvendo escolas de hotelaria portuguesas nos países PALOP, dando-lhes ferramentas para que possam depois vir inseridos num qualquer programa, com contrato e visto de trabalho. O tema de termos que trabalhar rapidamente na atração de um turismo de qualidade superior, que deixe mais dinheiro no destino deixarei para outra crónica.

Para finalizar e em nota de rodapé não nos devemos esquecer de que quanto mais pessoas nos vierem visitar e mais o nosso país se tornar apetecível, seja para turismo ou investimento, mais ele estará também nos radares da criminalidade. É por isso imprescindível que ao crescimento do turismo, se façam acompanhar medidas, que nos dotem de instrumentos passíveis de nos continuar a assegurar que somos um país seguro, feito de pessoas afáveis e tranquilas que têm dentro de si a arte de bem receber. Não tenhamos dúvidas, sem segurança não há turismo.