Turquia tenta extrair concessões e manter equilíbrios com oposição a Suécia e Finlândia
A Turquia, em grave crise económica, poderá pretender extrair benefícios de rever a oposição à entrada da Finlândia e Suécia na NATO, simultaneamente procurando equidistância entre Moscovo e Kiev, apesar dos fracassos na sua mediação do conflito.
No início desta semana, Finlândia e a Suécia oficializaram o seu pedido de integração na NATO, rompendo com a neutralidade e o não-alinhamento que há muito caracterizavam a sua diplomacia. No entanto, as reservas vieram de Ancara, e na passada sexta-feira o Presidente turco indicou que este alargamento da Aliança seria um erro.
Ancara, pela voz do seu líder, ameaçou bloquear o processo de adesão da NATO aos dois países escandinavos, posição que voltou a repetir na segunda-feira através da aplicação do veto, e quando este processo requer a unanimidade dos 30 Estados-membros da Aliança.
"Não somos favoráveis", explicou Erdogan ao evocar a adesão da Suécia e da Finlândia. "Seguimos atualmente a evolução da situação. E atualmente não temos uma posição positiva", disse, fazendo referência ao que considerou ser uma "ausência de atitude clara e aberta face a organizações terroristas" por parte dos candidatos.
O Presidente turco acusou os dois países escandinavos de serem "uma hospedaria para organizações terroristas", ao acolherem militantes curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, a guerrilha curda da Turquia), e do Partido/Frente de Libertação Popular Revolucionária (DHKP/C, uma organização marxista-leninista ilegalizada). "Existem apoiantes do terrorismo nos [seus] parlamentos", prosseguiu.
Apesar de Ancara, União Europeia e Estados Unidos considerarem a guerrilha curda da Turquia uma "organização terrorista", já existem discrepâncias face às Unidades de Proteção Popular (YPG), integradas nas Forças Democráticas Sírias (FDS, dominadas pelos curdos), que pelo contrário foram apoiadas de início por Washington e europeus no combate aos 'jihadistas' do Estado Islâmico, mas sempre definidas por Ancara como a extensão síria do PKK.
A ameaça da formação da designada Administração Autónoma do norte e leste da Síria (Rojava) junto às suas fronteiras, foi aliás o motivo essencial que implicou a intervenção militar turca no norte do país vizinho, desencadeada em 2016.
"A Turquia não repetirá o mesmo erro semelhante ao efetuado com a adesão da Grécia à NATO", insistiu Erdogan, desta vez dirigindo-se ao "irmão-inimigo" grego e assegurando que Atenas tem utilizado o seu estatuto de membro da NATO contra Ancara.
Nos últimos meses, a tensão agravou-se significativamente entre os dois vizinhos, num conflito que divide os membros da Aliança. Em 1974, devido às operações militares desencadeadas pela Turquia em Chipre, a Grécia retirou-se do comando militar NATO e apenas regressou em 1980, com o aval do Governo turco dessa época.
Membro da NATO desde 1952, à semelhança da Grécia, a Turquia tem como principal função proteger os flancos orientais e meridionais da Aliança e ainda o estreito do Bósforo, de grande importância estratégica por constituir a porta de entrada no mar Negro.
Em termos de efetivos, o seu exército é o segundo da NATO após os Estados Unidos. Mas nos últimos anos, as relações entre Ancara e os seus aliados da NATO deterioraram-se devido à reaproximação de Erdogan com a Rússia, e ao endurecimento do seu regime, com crescentes sinais autoritários.
Desde o início da guerra na Ucrânia que a Turquia segue uma política ambígua, condenando a invasão russa e mantendo os laços com Kiev, que designadamente equipa com os famosos drones militares Bayraktar, mas evitando sancionar Moscovo e sem encerrar o seu espaço aéreo aos aviões russos.
Ancara organizou diversas iniciativas de paz na Turquia entre a Ucrânia e a Rússia, até ao momento sem sucesso.
Na perspetiva da generalidade dos analistas, e atendendo a anteriores situações turbulentas com Ancara, a NATO espera que no final a Turquia recue nas suas posições caso consiga extrair alguma concessão, em particular para consumo interno em tempos de crise.
Diplomatas da Turquia e da Suécia estão a preparar uma visita a Ancara para a próxima semana, onde vão discutir com responsáveis locais as objeções turcas, mas o tom de desafio manteve-se.
"Não se deveriam incomodar em vir", respondeu Erdogan no início desta semana numa referência à visita dos diplomatas. "Vêm cá para nos convencer? Não se deviam maçar".
E prosseguiu: "Primeiro, não vamos dizer 'sim' à sua adesão à NATO, uma organização de segurança. Eles impuseram sanções à Turquia".
Após as declarações de Erdogan, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, contactou na segunda-feira por telefone o chefe da diplomacia turca, Mevlut Çavusoglu.
Mais tarde, Stoltenberg divulgou uma mensagem na sua conta oficial no Twitter sobre a conversa, onde salientou que a Turquia "é um valioso aliado e todas as suas preocupações de segurança devem ser atendidas. Devemos estar juntos neste momento histórico".
As "preocupações de segurança" que Erdogan pretende colocar relacionam-se afinal com a situação dos exilados políticos e imigrantes na Suécia e Finlândia. O Presidente turco continua a insistir que os refugiados políticos e imigrantes nesses dois países sejam detidos e deportados para a Turquia. De acordo com a agência noticiosa oficial Anadolu (AA), a Turquia "exige a extradição de cerca de 30 pessoas dos dois países".
As relações entre a Turquia e diversos atores internacionais, como notou recentemente a Gzero media, especialista na cobertura de temas globais, também registaram uma deterioração a partir de finais de 2020, e em simultâneo: a União Europeia pelas suas prospeções de hidrocarbonetos no Mediterrâneo, o Presidente francês Emmanuel Macron devido às suas posições sobre o Islão radical, os Estados Unidos e a NATO devido à compra de armamento russo e a Arábia Saudita na sequência do assassínio do jornalista e dissidente Jamal Kashoggi.
De momento, e quando se aproximam as decisivas eleições presidenciais e legislativas de 2023, o Presidente Erdogan, que controla o poder turco há mais de 20 anos, enfrenta um enorme desafio a nível interno, com a economia turca à beira do colapso.
A inflação registou recentemente um brutal aumento de 70%, também na sequência da desvalorização da moeda local, que perdeu 41% do seu valor em relação a dólar em 2021, e apesar de o Governo insistir em manter baixas taxas de juro.
A Turquia necessita da ajuda financeira de países estrangeiros, e muitos deles situam-se na vizinhança do país euro-asiático. Esta situação explica a recente aproximação de Erdogan ao Egito, Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, de quem Ancara espera investimentos para revitalizar a economia turca.
Em simultâneo, também necessita de manter o delicado equilíbrio nas suas relações com os aliados ocidentais e a Rússia em torno da guerra na Ucrânia.
Apesar de as suas tentativas de mediação não terem aparentemente resultado, Ancara é um dos poucos países que mantém relações cordiais com a Rússia e a Ucrânia.
E apesar de não ter aplicado sanções à Rússia, acedeu aos pedidos da Ucrânia para não permitir que navios russos transitassem através das águas turcas que ligam o Mediterrâneo ao mar Negro.
No entanto, diversos membros da Aliança, em particular os Estados Unidos e Reino Unido, e mesmo o Canadá, consideram que este delicado equilíbrio turco pode ser efémero. Censuram a compra dos S-400 à Rússia, e os Estados Unidos não tiveram sucesso em convencer Ancara a entregar este equipamento militar à Ucrânia.
Alguns suspeitam mesmo que a Turquia vai ajudar a Rússia a minimizar o amplo pacote de sanções imposto pelo ocidente, e veem uma influência de Putin nas ameaças de Erdogan dirigidas à Finlândia e Suécia,
No entanto, é do convencimento quase geral que a Turquia acabará por ceder ao ocidente, devido à urgente necessidade de investimento europeu e norte-americano. Para Erdogan, também uma questão de sobrevivência política, e quando em 29 de outubro do próximo ano se celebra o primeiro centenário da declaração da República da Turquia.