A Guerra País

Alunos ucranianos lamentam poucas aulas para aprender português

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Anastasia fugiu de Odessa, Ucrânia, em março e hoje é uma das mais de quatro mil alunas integradas nas escolas portuguesas, onde se sente acarinhada, mas lamenta ter apenas uma hora semanal da disciplina que ensina português a estrangeiros.

Depois de uma viagem de quatro dias de autocarro, Anastasia chegou a Lisboa com a mãe e o irmão, de sete anos. Para trás, ficou o pai, mas também amigos e professores da escola que frequentava em Odessa.

A menina de 12 anos faz agora parte das estatísticas do Ministério da Educação (ME), que indicam que há mais de quatro mil alunos fugidos da Ucrânia integrados nas escolas portuguesas desde o início do conflito, em 24 de fevereiro.

Anastasia frequenta um estabelecimento de ensino no bairro lisboeta da Lapa: "Vou para a escola, o que é bastante interessante, mas não percebo nada", disse sorridente, lamentando ter apenas uma hora semanal da disciplina de "Português Língua Não Materna" (PLNM).

"É com os meus colegas que acabo por aprender mais português. Eles são muito simpáticos e solidários", afirmou.

A Lusa questionou o Ministério da Educação sobre quantas aulas de PLNM têm, em média, os alunos que estão a chegar da Ucrânia, mas não obteve resposta até ao momento.

O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) referiu que as escolas funcionam com os recursos humanos que têm.

Com esta nova vaga de alunos estrangeiros, "o Ministério permitiu mais um reforço de docentes, mas as escolas já tinham problemas de escassez de professores e dificuldades em contratar, nomeadamente professores de Português", explicou Filinto Lima.

Filinto Lima é também o diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, que começou a receber crianças fugidas da guerra logo em março.

A maioria ficou nas escolas primárias do agrupamento e aprendem português com uma professora de inglês: "Como muitos deles já falavam inglês, foi mais fácil ultrapassar a barreira da língua e agora já temos muitos miúdos a começar a falar português", disse.

Desde fevereiro, chegaram a Portugal quase 36 mil pessoas em fuga da guerra na Ucrânia, das quais cerca de 12 mil são menores. A todos os alunos foi prometido lugar numa escola pública.

Até quarta-feira, havia 4.264 ucranianos em estabelecimentos de ensino desde o pré-escolar ao secundário. Lisboa, Sintra, Cascais, Oeiras e Portimão são os distritos com mais alunos, segundo dados do ministério.

"Acredito que a grande maioria de alunos tenha aulas de Português Língua Não Materna (PLNM), mas também as autarquias, empresas e outras organizações têm estado a proporcionar cursos de línguas, em especial para as mães dessas crianças", acrescentou o diretor.

É o caso dos cursos de Português e Inglês oferecidos pela Fundação Vodafone, em parceria com a Associação Ukrainin Refugees (UAPT).

A maioria dos alunos é maior de idade e tem filhos, mas também há menores. Para tentar aprender a língua mais depressa, Anastasia é uma das 60 alunas dos cursos, que começaram há um mês. São três horas diárias durante três meses.

No curso está também Liza, de 14 anos. Chegou de Kherson há dois meses com os pais e a irmã de sete anos e dizem estar "agradecidos pela ajuda e simpatia dos portugueses".

Já em Portugal, viram um vídeo do Colégio de Santa Doroteia a saudar a chegada dos ucranianos: "Gostámos muito do vídeo e decidimos ir à escola. Batemos à porta a dizer que gostávamos muito que as nossas filhas estudassem ali e eles simplesmente aceitaram", contou emocionado o pai, Ivan.

Liza, de 14 anos, e Carina, de 7, frequentam agora gratuitamente o colégio, onde sentem diariamente o apoio da comunidade escolar: "Uma professora traduziu todo o material escolar para ucraniano e quando souberam que eu estava a aprender piano na Ucrânia o professor também se ofereceu para me dar aulas, sem pagar", contou Liza.

Mas a maioria das crianças e jovens refugiados continua fora do sistema de ensino português. É o caso de Vsevolod, de 7 anos, filho de Katya.

Deixou Lugansk e chegou a Lisboa em meados de março com a mãe. Foram acolhidos por uma família portuguesa, que lhes cedeu um quarto no apartamento em Odivelas. A costureira de Lugansk está sem trabalho e o menino, com idade para frequentar o 1.º ciclo, ainda não começou a ir à escola.

À Lusa, Katya explicou o motivo: "Ainda não decidimos onde queremos ficar a viver, por isso não está inscrito. Mas este curso (da Vodafone) acaba por ser uma oportunidade de, tanto ele como eu, aprendermos português e distrairmo-nos um pouco".

Filinto Lima acredita que muitos pais não inscrevem os filhos porque têm "uma forte esperança de regressar ao seu país o quanto antes". Mas deixa um alerta: "Se a situação na Ucrânia se mantiver, no próximo ano letivo, o número de inscritos pode disparar".

Atualmente, apenas um em cada quatro menores que chegam a Portugal está inscrito na escola.

Estes mais de quatro mil estudantes podem continuar os estudos no sistema de ensino ucraniano através de aulas 'online', sendo a aprendizagem do português obrigatória.

É o caso da filha de Alina. "De manhã, tem aulas 'online' com professores da Ucrânia e, à tarde, frequenta a Escola Secundária Filipa de Lencastre, em Lisboa", contou à Lusa a ex-professora de Matemática que agora é educadora de infância na creche improvisada pela Fundação Vodafone para acolher as crianças enquanto as mães estão nos cursos de línguas.

Aprender português é essencial tanto para crianças como adultos, que vêem aqui um passaporte para a integração na comunidade local.

No curso da Vodafone está também Irina, que fugiu de Lviv com a filha de 9 anos no final de março. A menina é uma das mais de 1.600 crianças inscritas no 1.º ciclo. Durante a semana frequenta a escola portuguesa e ao sábado é aluna na escola ucraniana.

A psicóloga quer ficar a viver em Portugal e acredita que o curso de português poderá ajudar na integração e a encontrar trabalho.

A professora Salomé Carvalho é quem dá aulas na Vodafone, mas também ensina estrangeiros em duas escolas públicas.

À Lusa disse que os ucranianos que agora estão a chegar a Portugal são os seus alunos "mais traumatizados", uma vez que "quem deixa família para trás num contexto de guerra, nunca está calmo".