O bom, o mau e a mala de dinheiro
O anunciado terramoto na investigação criminal, causado pela decisão do Tribunal Constitucional em declarar inconstitucionais algumas normas da Lei dos Metadados, é um bom exemplo da inércia do legislador nacional. À vista desarmada, o perigo de uma hecatombe no combate à criminalidade pode ser atribuído ao Tribunal, mas se juntarmos os repetidos avisos dos tribunais europeus, da Comissão Nacional de Proteção de Dados e da Provedora de Justiça, fica claro que não foi por falta de aviso que chegámos a esta encruzilhada. Entretanto, a partir de Maio de 2019, toda a investigação criminal que recolheu provas com base na lei, está posta em causa. Desta vez, a culpa não pode ser apontada aos tribunais.
O bom: Atrações com acesso pago
Num país submerso numa carga fiscal que sufoca a criação de riqueza, a cobrança pela entrada em atrações turísticas soa a novo prego no caixão de taxas e impostos em que nos enterraram. Os argumentos contra o pagamento são inúmeros e dispensam repetição exaustiva. Já pagamos impostos suficientes, o acesso pago pode reduzir a procura, é injusto cobrar ao madeirense o acesso ao património natural da Região. Sem colocar em causa a bondade destas, ou de outras razões, há um pormenor que lhes escapa e, por isso, exige redobrada atenção. Concordando-se, ou não, com o pagamento da entrada em atrações turísticas, é inegável que os turistas, os que as utilizam em maior número, sem o acesso pago não contribuem diretamente para a sustentabilidade e manutenção do que visitam. Este não é, só por si, argumento suficiente para justificar a cobrança desenfreada do acesso a levadas, trilhos, miradouros e afins. Mas leva-nos a uma conclusão importante: quem mais usufrui é quem menos contribui. Se, por um lado, é injusto que os contribuintes madeirenses suportem sozinhos, com os seus impostos, a manutenção destes espaços, é inegável que dessa injustiça não pode resultar a indignidade de pagarmos para visitar a natureza que é nossa. Isso não significa que o acesso pago seja sacrilégio, apenas que tem de ser implementado de forma equilibrada e transparente. Equilibrada, nos locais onde o pagamento será uma obrigação e naqueles em que será facultativo dada a dificuldade de implementação. Transparente, para que se saiba exatamente onde é que aquela receita está a ser aplicada e para que não caia, anónima e disponível, nos cofres da Região.
O mau: André Martins, Presidente da Câmara de Setúbal
Nos dias de hoje, é difícil encontrar um relato que nos indigne tanto como a agressão gratuita e desumana que Putin continua a impor aos ucranianos. Até que soubemos do que se terá passado em Setúbal entre esses mesmos ucranianos em fuga e o município liderado pelo PCP. No programa de apoio aos refugiados da Câmara de Setúbal, trabalhavam russos com ligações conhecidas ao regime de Putin. Esses russos - Igor Khashin e Yulia Khashina - receberam refugiados ucranianos e pediram-lhes informações sobre os familiares que tinham ficado na Ucrânia, nomeadamente sobre quem lá tinha ficado a combater. A emboscada russa estava camuflada de comité de boas vindas setubalense. Não se trata de comparar o drama que se vive num território em guerra, com a incúria de quem quis colocar o agressor a receber a vítima. Pelo contrário. O que se passou em Setúbal perturba precisamente pelo que se passa na Ucrânia. Porque o primeiro dever de quem recebe uma vítima é oferecer-lhe segurança e distância do agressor. Neste caso, não só se violou esta obrigação, como ainda se colocou em causa a segurança de todos os ucranianos que ficaram a defender o seu país. A falta de cuidado é tão gritante que parece premeditada, alinhada com a posição oficial do PCP em relação à “operação militar” que se desenrola na Ucrânia. Mas não pense que ficamos por aqui. A irresponsabilidade que nasceu em Setúbal, cresceu e chegou à Assembleia da República. Pedida a audição a André Martins, presidente da Câmara de Setúbal, a mesma foi chumbada pela maioria absoluta socialista. O que indigna mais - a incúria premeditada da Câmara ou a cumplicidade parlamentar do PS?
A mala de dinheiro: O lapso do Secretário de Estado
Freud explicou, há longos anos, a fuga involuntária da boca para a verdade. Concluiu, então, que alguns lapsos de linguagem revelam, na verdade, o que realmente pensamos acerca de um determinado assunto. Terá sido a um desses lapsos freudianos que assistimos, na Assembleia da República, quando Paulo Cafôfo respondeu a Sérgio Marques. O deputado perguntou ao secretário de estado pelo milhão de euros prometido à Região, para fazer face às despesas de saúde de lusodescendentes que regressaram da Venezuela desde 2017. A resposta de Cafôfo sobre a falta de pagamento perdeu-se entre a promessa de solidariedade com os regressados e a falta de documentos comprovativos das despesas, não sem antes disparar que “não basta enviar uma mala de dinheiro para a Madeira”. Vale a pena demorar-se um pouco na expressão. Cafôfo é governante há menos de dois meses e já domina a linguagem de quem se habitou a ver nas Regiões Autónomas uma despesa desnecessária no orçamento. Quem fala assim, parte do princípio que as transferências do Estado para as Regiões são uma benesse e não um direito. Lapso ou não, a mala de Cafôfo está carregada de preconceito. Não se basta com o argumento político e insiste na insinuação bacoca de que os madeirenses vivem de mão estendida. Fica-lhe mal como governante e ainda pior como madeirense.