Anteprojecto prevê como cidadãos podem reagir judicialmente a medidas de emergência de saúde pública
O anteprojeto de lei de proteção em emergência de saúde pública, hoje entregue no parlamento, define como os cidadãos podem reagir judicialmente às medidas gerais adotadas e é "particularmente cuidadoso" nas medidas individuais como o confinamento e quarentena.
"O anteprojeto prevê o modo como os cidadãos podem reagir judicialmente à adoção dessas medidas de caráter geral, estabelecendo um meio processual próprio bem como os aspetos essenciais da sua tramitação", avança a nota justificativa da proposta legislativa elaborada por comissão técnica presidida pelo juiz conselheiro jubilado António Henriques Gaspar.
O artigo em causa prevê que quem considerar que exista uma violação constitucional relativa a direitos, liberdades e garantias que pessoalmente o afete, no âmbito da emergência de saúde pública, "pode requerer ao tribunal da jurisdição administrativa competente as providências adequadas a prevenir ou a verificar a existência da lesão de direito invocada e, se for o caso, a fazer cessar a lesão".
É, no entanto, em relação a medidas individuais que o anteprojeto procura "ser particularmente cuidadoso" na conciliação entre as exigências de proteção da saúde pública e os direitos e liberdades dos cidadãos, prevendo a adoção de medidas de isolamento e de quarentena, mas sujeitando-as a um "regime que vem rigorosamente regulado na própria lei".
Enquanto o isolamento pressupõe que a pessoa esteja comprovadamente doente, infetada ou contaminada, a quarentena é uma medida aplicável a quem existe fundamento para recear o risco de disseminação da infeção ou contaminação, não implicando, necessariamente, a separação da pessoa em questão ou a obrigatoriedade de permanência na habitação.
O anteprojeto de lei define que a decisão de sujeitar uma pessoa a isolamento ou a quarentena é da exclusiva competência da autoridade de saúde, devendo ser devidamente fundamentada e documentada com base numa avaliação médica individual.
Além disso, a proposta aponta para um prazo máximo de 14 dias para a duração das medidas, sendo que, no caso do isolamento, pode ser renovado por períodos até 10 dias, através de nova decisão por parte da autoridade de saúde. Já a quarentena não pode ser renovada.
"Em qualquer caso, a pessoa afetada deve ser, sob pena de nulidade da medida, imediatamente informada das condições de cumprimento da medida e dos inerentes deveres de conduta ou de abstenção, das sanções legalmente previstas para o incumprimento desses deveres bem como dos direitos que lhe assistem", avança a nota justificativa.
É também garantida a possibilidade de a pessoa em situação de isolamento ou quarentena requerer ao tribunal a apreciação da legalidade da medida bem como da manutenção dos pressupostos de facto que a determinaram, com vista ao seu levantamento.
"Tratando-se de uma medida de isolamento cuja duração determinada pela autoridade de saúde exceda as 12 horas diárias, a sua renovação está sujeita a validação judicial", adianta a comissão técnica, que considera que, nos termos desenhados no anteprojeto e considerando todas as garantias nele previstas, o isolamento e a quarentena configuram uma medida restritiva da liberdade e não uma medida privativa da liberdade.
Relativamente ao regime sancionatório, o anteprojeto prevê que o governo defina as contraordenações que considere adequadas perante o incumprimento dos deveres previstos na regulamentação da declaração da emergência de saúde pública e da fase crítica da emergência, apontando a responsabilidade criminal em três situações distintas.
"Em primeiro lugar, no que respeita à aplicação de medidas individuais de isolamento e quarentena prevê-se a criação de um novo tipo criminal, punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, que é praticado por quem se ausente do domicílio ou do local de cumprimento do isolamento ou da quarentena fora das situações legalmente previstas ou especificamente autorizadas pelas autoridades competentes", adianta a nota justificativa.
Além disso, sempre que tiver sido determinado pelo governo a exigência de exibição de certificado ou teste para acesso a estabelecimentos, locais ou eventos, o registo ou a conservação de dados pessoais é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, e por último, a exigência ilícita de exibição de certificado ou teste, isto é fora das situações expressamente determinadas pelo governo, é também punida com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.
Além do juiz-conselheiro jubilado António Henriques Gaspar, a comissão técnica foi constituída pelo procurador-geral-adjunto João Possante, em representação da procuradora-geral da República, Ravi Afonso Pereira, em representação da provedora de Justiça, e Alexandre Abrantes, professor catedrático da Escola Nacional de Saúde Pública.
O anteprojeto de lei foi enviado hoje pelo governo ao parlamento, aos governos regionais e às associações nacionais de municípios e de freguesias, assim como aos conselhos e ordens profissionais na área da saúde.