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O Individualismo e Coletivismo em tempo de guerra

Certamente muitos estranham esta guerra, supostamente entre dois povos irmãos. Ainda mais, a absoluta determinação dos ucranianos em defender o seu país e o seu modo de vida. A sua liberdade. No entanto as razões existem, se bem que nem sempre são evidentes num primeiro olhar.

O povo português é tido como irmão do brasileiro ou espanhol, mas é evidente a sua individualidade. O povo ucraniano e russo são filhos dos mesmos pais, a Rússia czarista e a União Soviética. Partilham a história em comum, alguns traços culturais, mas também cicatrizes indeléveis.

O exemplo de “Holodomor” é paradigmático. Conhecido como a “Fome-Terror” de 1932/1933, causou a morte de 10 milhões de ucranianos. Desde 2006, o Holodomor é reconhecido por inúmeros países como um genocídio do povo ucraniano. Supostamente levado a cabo pelo governo soviético e planeado por Joseph Stalin, para eliminar o movimento de independência ucraniano.

A ideologia comunista dos tempos soviéticos pugnava por uma sociedade coletivista e vertical.

Coletivista, pois, o suposto interesse do coletivo (ou melhor das suas chefias) sobrepõe-se ao interesse do indivíduo. A opinião deste pouco conta, e a dissidência tem um preço pessoal por vezes fatal.

Vertical, pois, o grau de apoio que se dá ao sistema era a forma de subir ou descer na escala socioeconómica soviética. As diretivas verticais do poder estavam, neste sistema, sempre acima das relações pessoais do indivíduo, das relações familiares ou laborais, ou mesmo das relações dentro da comunidade onde se vive.

Na essência, a estrutura da sociedade russa de hoje mantém muitas características soviéticas. O favor partidário é agora a corrupção institucionalizada. Os privilegiados eram antes a nomenclatura e agora são os oligarcas. A dissidência é perseguida. A comunicação social só pode ter uma voz e a democracia morreu na infância.

Muitos países ocidentais têm uma estrutura de sociedade diferente. Individualista e horizontal. Os escandinavos são paradigmáticos. Os interesses e a opinião do indivíduo devem ser sempre respeitados e a democracia é o resultado natural deste sistema. Os traços de coletivismo nestas sociedades acontecem por adesão e nunca por imposição.

O que os ucranianos estão a fazer desde o fim da URSS é uma lenta, mas determinada, transição de uma sociedade semelhante à russa para outra semelhante à ocidental.

Querem melhores condições de vida, um melhor futuro para os seus filhos. Valorizam a sua opinião. São mais autocríticos, mais responsabilizantes como os políticos. Mais tolerantes com quem pensa diferente.

Em verdade, provaram o doce “veneno” da liberdade e começam a usufruir das oportunidades individuais. E gostam! Tal constitui um pecado mortal aos olhos de Putin e a sua “entourage”. Entendem como perigoso haver um “povo irmão” a seguir um caminho diferente e com aparente sucesso. Assim, percebe-se a opinião do PCP sobre esta guerra e a postura da China, outra sociedade com traços de coletivismo vertical.

Percebi “in loco” este sentimento genuíno do povo ucraniano. Teve o seu clímax na revolução de 2014. Ativistas como Yulia Marushevska explicam-no bem (https://www.youtube.com/watch?v=Hvds2AIiWLA). Mas, como augura Pablo Neruda “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Esperemos que a História venha a registá-las como transitórias, compensadoras e decisivas. E que cada um tire as suas conclusões sobre o verdadeiro valor da liberdade.