Crónicas

O bom, o mau e o regedor

Ao desbaratar, uma vez mais, a figura de Carlos Pereira, a liderança do PS Madeira mostra bem ao que vem. Gerir as opções políticas do partido ao sabor do ego de meia dúzia de dirigentes

Oportunidade de emprego! Procura-se técnico especialista para integrar gabinete de secretário de estado, com função de realizar trabalhos técnicos específicos em matérias das comunidades portuguesas e assuntos consulares. Exige-se licenciatura em engenharia mecânica e percurso profissional na comercialização e manutenção de veículos industriais. Será dada preferência a candidatos com experiência no ramo da produção de vinhos. Remuneração acima da média e presença facultativa no local de trabalho. Para mais informações, por favor consultar o Despacho nº 4734/2022 do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O bom: Emmanuel Macron

Pode parecer exagero, mas não é. Entre Macron e Le Pen, os franceses tinham entre mãos grande parte do futuro da Europa e das democracias europeias. De um lado, Macron, europeu assumido, liberal e reformista. Do outro, Le Pen, nacionalista, populista e marcadamente xenófoba. Nas sondagens, a candidata aproximou-se do incumbente, mas nunca chegaria a recuperar a diferença nas intenções de voto. Para isso, contribuiu a aliança informal da esquerda francesa que, de Jadot a Mélenchon, diabolizaram o perigo de uma vitória de Le Pen e, com reduzido entusiasmo, recomendaram o voto em Macron. Curiosamente, a mesma aliança que se criou, em 2002, em volta de Chirac e contra o pai Le Pen. Vinte anos depois, a grande diferença está no resultado eleitoral. Em 2002, Chirac ganhou as eleições com uns retumbantes 82%, ao passo que, em 2022, Macron ganhou-as com apenas 58%. Uma vitória incontestável, é certo, mas ensombrada pelo crescimento eleitoral de Le Pen. Agora caberá ao presidente reeleito consolidar o seu espaço político e preparar o que lhe seguirá. Na geografia ideológica, Macron é uma figura curiosa. Um recente estudo de opinião, revelava que 51% dos franceses o consideravam como de centro-direita, e os restantes 39% de centro-esquerda. Perante o risco da indefinição ideológica, Macron tem como desafio a reforma da economia francesa sem agravar a fratura geracional que se vive no país e, simultaneamente, aprofundar a solidariedade europeia, não só entre europeus, mas também com os que partilham dos nossos valores e são ameaçados por isso.

O mau: João Leão

Se o Ministério das Finanças se passasse a chamar de Ministério da Progressão de Carreira, poucos estranhariam a excentricidade da mudança. O primeiro a ser promovido foi Mário Centeno. De Ministro das Finanças a governador do Banco de Portugal, Centeno fez tábua rasa de qualquer noção de conflito de interesses ou de decoro. Ao ministro sucedeu-se o secretário de estado João Leão, não só no ministério mas também na arte de acautelar a progressão na carreira profissional. A história é simples, mas reveladora de como a linha entre o setor público e o privado é cada vez mais ténue. O Ministério do Ensino Superior entregou ao Ministério das Finanças vários projetos de financiamento que envolviam instituições de Ensino Superior. O único projeto aprovado pelo Ministério das Finanças foi o do ISCTE, no valor de mais de 5 milhões de euros. Dois dias depois de ter saído do Governo, alguém arrisca para onde progrediu João Leão? Obviamente, foi para o ISCTE, onde foi escolhido para gerir o projeto que o seu Ministério tinha decidido financiar. Na prática, Leão serviu-se do Orçamento de Estado para orçamentar e financiar o seu novo emprego. O ministro Leão reservou 5 milhões de euros para o vice-reitor Leão gerir e ninguém no Governo vislumbrou uma réstia de conflito de interesses. Da mesma forma que não o viram quando foi a vez de Centeno. Em certa medida, o aluno superou o mestre, não só na arte da progressão, mas também na falta de decoro.

O regedor: Miguel Iglésias

Há um novo regedor no retângulo continental. O saneamento de Carlos Pereira, pela renovada liderança do PS, adivinhava-se à distância e só não chegou mais cedo por receio do desastre eleitoral que seria ter Miguel Iglésias como cabeça de lista. Mas assim que se acabaram de contar os votos, o golpe pôs-se em marcha. O professor que ia dar aulas, afinal fez-se secretário de estado e o deputado cabeça de lista foi substituído pelo promotor da repetida autofagia socialista. A patranha não é novidade no PS da Madeira. Foi a mesma cilada montada a Carlos Pereira em 2018, redesenhada e usada contra Emanuel Câmara em 2020 e agora, em 2022, escarranchada nas costas de Sérgio Gonçalves. Em cada um dos três momentos, há duas figuras omnipresentes: Cafôfo e Iglesias. Os dois derrotados na Madeira e, apenas por isso, exilados em Lisboa. Por isso, admiro a perseverança de Carlos Pereira, renegado pelo PS tantas vezes quantas São Pedro renegou a Cristo. A última negação será, porventura, a que mais impressiona. Não só pela desconsideração ao trabalho realizado pelo deputado ao longo dos últimos anos na Assembleia da República, mas também pela insensibilidade política da substituição. Como se justifica a retirada dos assuntos da Madeira a um deputado madeirense experiente, para entregá-los a um arrivista da autonomia? Ao desbaratar, uma vez mais, a figura de Carlos Pereira, a liderança do PS Madeira mostra bem ao que vem. Gerir as opções políticas do partido ao sabor do ego de meia dúzia de dirigentes. Ainda assim, a chegada do novo regedor tem um fator positivo. A partir de agora, deixam de haver dúvidas sobre quem manda no PS da Madeira.