António Costa abre debate em que a questão é o grau de mudanças que o PS vai aceitar
O primeiro-ministro abre na quinta-feira o debate parlamentar da proposta de Orçamento para 2022, em que a principal questão política relaciona-se com a amplitude das mudanças que a maioria absoluta socialista está disponível para introduzir na especialidade.
Ao contrário do que aconteceu nos anteriores sete orçamentos que António Costa apresentou na generalidade perante a Assembleia da República -- o último, em outubro passado, foi rejeitado e abriu uma crise política -, desta vez, em consequência da vitória do PS com maioria absoluta nas eleições de 30 de janeiro, está praticamente assegurada a aprovação da proposta do Governo em votação final global no dia 27 de maio.
Por isso, a questão política coloca-se sobretudo no processo de especialidade no sentido de saber que propostas de alteração a bancada socialista aceita introduzir no texto final do Orçamento.
O Orçamento do Estado para 2022 contém as principais medidas que faziam parte da proposta orçamental do Governo chumbada em outubro passado por PSD, Bloco de Esquerda, PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal. E inclui medidas que o anterior executivo minoritário do PS tinha negociado com a bancada comunista, como o aumento extraordinário das pensões até 1108 euros.
Tal como António Costa prometera na campanha para as legislativas de janeiro passado, as medidas de aumento extraordinário das pensões, de desdobramento dos terceiro e sexto escalões do IRS, o aumento dos abonos de família, ou a subida das deduções do IRS jovem terão efeitos retroativos a 1 de janeiro deste ano.
Mas a discussão do Orçamento do Estado para 2022 vai ocorrer numa conjuntura de instabilidade económica e financeira internacional em consequência da intervenção militar russa na Ucrânia, que agravou uma tendência de subida da inflação que já se vinha registando desde o segundo semestre do ano passado.
Perante o aumento da inflação e a ausência de compensações em matéria salarial, o PSD concluiu que a proposta orçamental do Governo representa uma "austeridade encapotada". O Bloco de Esquerda e o PCP têm exigido que seja reposto já o poder de compra dos trabalhadores da administração pública e dos pensionistas.
Confrontado com estas reivindicações de partidos da oposição, mas também de sindicatos, o primeiro-ministro tem argumentado que por essa via o país corre o risco de entrar numa "espiral inflacionista".
Em pelo menos três intervenções públicas no último mês, António Costa referiu-se ao que aconteceu ao país no plano macroeconómico anos 70 e 80 do século passado para recusar um caminho em que as compensações salariais "seriam imediatamente consumidas por novos aumentos da inflação".
Em alternativa, o líder do executivo defende uma estratégia de ataque às causas do aumento dos preços, principalmente bens energéticos e agroalimentares.
Na sexta passada, o parlamento aprovou a proposta do Governo com medidas de contenção do aumento dos preços energéticos e agroalimentares, que incluiu uma suspensão das taxas mínimas do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP).
António Costa tem também defendido que a atual trajetória de aumento da inflação é transitória.
"Prevê-se uma inflação de 4% em Portugal em 2022 e para 2023 estima-se 1,5%, ou seja, uma queda muito significativa já no próximo ano. Há outras instituições menos otimistas, mas o Banco Central Europeu (BCE) aponta para a mesma trajetória, entendendo que tenderemos a estabilizar na zona euro com uma inflação na ordem dos 2%", alegou numa entrevista ao Clube de Jornalistas, em parceria com a agência Lusa.
Neste mesmo entrevista, o primeiro-ministro afastou a possibilidade de apresentar um Orçamento Retificativo este ano e anunciou que, em 2023 "voltará a haver atualização anual dos salários" da administração pública, mas ressalvou que o valor dependerá da negociação sindical e da evolução da taxa de inflação.
Já na sessão solene comemorativa do 48º aniversário do 25 de Abril, no parlamento, o Presidente da República pediu "mais meios imprescindíveis" para as Forças Armadas e "um consenso nacional continuado e efetivo" para fortalecer este "pilar crucial".
"Sem as Forças Armadas, e Forças Armadas fortes unidas e motivadas, a nossa paz, a nossa segurança, a nossa liberdade, a nossa democracia, sonhos de 25 de Abril, ficarão mais fracas", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
Poucas horas depois, na residência oficial do primeiro-ministro, António Costa foi confrontado pelos jornalistas com esta posição transmitida pelo chefe de Estado.
"O Presidente [da República] pede aquilo que, aliás, está já devidamente programado e contratualizado. Está não só programado na Lei de Programação Militar, mas também contratualizado com a própria NATO relativamente aos nossos compromissos" com a Aliança Atlântica, respondeu o líder do executivo.
Neste ponto, porém, António Costa deixou uma advertência de caráter político, frisando que, para o Governo, "não há só um orçamento da Defesa, outro da Saúde e outro da Educação".
"Há um Orçamento único suportado pelos impostos dos portugueses", acrescentou.