Heranças de Abril
Os funchalenses não receberão, este ano, devoluções fiscais municipais no IRS, por culpa da anterior vereação
Neste mês de abril, em que, ontem, se celebrou o 48º aniversário da Revolução dos Cravos, relembro uma frase, sempre atual e pertinente, de Francisco de Sá Carneiro, proferida na Assembleia Nacional, em 1971, portanto, em pleno Estado Novo, ainda que em Primavera Marcelista: «o valor essencial da liberdade sem a igualdade torna-se aristocrático privilégio de quantos».
Ao que parece, pelo menos assim se entende do que tem sido dito nalguns quadrantes políticos, há também uma “aristocracia” política, mesmo que alguma dela tenha poucos votos nas urnas, que se julga e se autopromove como os únicos arautos de abril, como se a Liberdade e a Democracia fossem um exclusivo apanágio deles e de mais ninguém.
Queriam à força ter tido uma sessão solene na Câmara Municipal do Funchal, para a habitual encenação política, sobre os pseudo-exclusivos herdeiros de abril. Ora, ontem, houve sim, no nosso mais importante órgão de governo, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, uma sessão solene sobre o 25 de Abril, em que estiveram representadas, com direito a palavra, todas as forças políticas com representação parlamentar, tal como, ontem, decorreu uma sessão solene, no mais importante órgão de governo da República, a Assembleia da República, sem que, contudo, a Câmara Municipal de Lisboa tenha organizado uma sessão solene paralela.
O que Lisboa fez foi o que o Funchal também fez e que outras autarquias deste país também fizeram: um programa para comemorar a data.
No nosso caso, ainda que sempre assente no pluralismo e diversidade, dando particular atenção aos jovens, e porque, mais do que celebrar o passado, queremos centrar-nos no futuro, organizámos ontem um encontro-debate, com várias gerações, que decorreu na Assembleia Municipal e que teve transmissão on-line nas redes sociais do Município.
Mas destaco também os dois concertos, um realizado dia 23 no Auditório do Jardim Municipal, com a Orquestra de Cordofones, em que trinta jovens madeirenses puderam mostrar a todos o seu enorme talento, bem como – e aproveito a ocasião para convidar os leitores a assistir ao mesmo – o concerto desta sexta-feira, dia 29, no Museu A Cidade do Açúcar, de Marina Camacho, outra jovem e brilhante artista da Madeira.
Mas este abril não foi marcado apenas pelas “heranças e testemunhos” da Revolução dos Cravos. Outras heranças há, certamente, menos quiméricas e efusivas.
Primeiro, a “magia negra” das contas que herdámos da anterior vereação. O que estava estimado para ser apresentado, no final de 2021, andava à volta de 8 milhões de euros. A correção que foi feita agora resultou num valor muito superior a esse. As contas apresentam atualmente um resultado negativo de 41 milões de euros, uma vez que não estavam contabilizados 27 milhões de euros de faturas da ARM, mais 1,5 milhões de euros de Taxa de Recursos Hídricos e 480 mil euros de custas judiciais.
Depois, outra desagradável surpresa e, novamente, a afetar todos os munícipes: os funchalenses não receberão, este ano, devoluções fiscais municipais no IRS. São cerca de 3 milhões de euros que não serão derramados pelos munícipes com domicílio fiscal no concelho, por culpa da anterior vereação, que não o comunicou atempadamente à Autoridade Tributária.
Por fim, uma herança cada vez mais vezeira, cada vez mais pesada sobre o povo da Madeira e Porto Santo. O Orçamento de Estado, em que a Região, todos nós, recebemos cada vez menos transferências da República, situação que quase nos faz pensar que a “Jangada de Pedra” de Saramago não se referia à separação da Península Ibérica, mas sim do nosso Arquipélago em relação a Lisboa, já que estamos cada vez mais longe no que deve ser o respeito pelos custos da nossa insularidade e ultraperiferia.