Crónicas

Nunca caminharás sozinho

O Cristiano Ronaldo será recordado por muitos e bons anos como uma figura icónica não só do nosso desporto como da nossa sociedade

Portugal não é o único país do mundo onde a dicotomia das opiniões e a dialéctica das redes sociais desaguam invariavelmente em posições extremadas, muitas vezes dentro do mesmo caso, em que se vai de um polo ao outro só para seguir a corrente, mas temos por cá uma determinada franja da nossa sociedade que adora criticar o vizinho ou o amigo. Fazem-no com a mesma desfaçatez com que aplaudem quem não lhes diz nada, umas vezes por inveja outras tão só pela vontade que lhes corre no sangue de embirrar com quem é próximo. É talvez por isso que muitas vezes apoiamos e idolatramos com maior facilidade os que são de longe do que os que até conhecemos. O caso do Cristiano Ronaldo é paradigmático disso mesmo. Uns não gostam dele porque acham que uma pessoa que vem de classes mais humildes mesmo enriquecendo à custa do seu valor e do seu esforço não tem direito a pisar o mesmo palco que eles por uma questão de nobreza, outros como sempre sentados no sofá, consideram que se tivessem tido as mesmas oportunidades ainda fariam melhor. Uns e outros apressam-se, quais lobos famintos , a atacar de forma vil e severa quando a exposição pública a que está sujeito revela alguma atitude menos simpática da sua parte mas quando está na mó de cima rosnam um apoio camuflado, quase que arrancado a ferros só para surfar a onda.

Assim foi quando as notícias deram conta que tinha feito uma marquise no seu apartamento novo em Lisboa, como se em Lisboa ou por esse país fora não existissem marquises e muitas outras obras feitas de forma ilegal ou como se fosse ele o engenheiro de tal obra. Ainda a choradeira das carpideiras ia no adro quando o jogador decidiu (e bem) de forma discreta retirar o referido anexo, deixando os que já se prestavam para dizer que para uns é uma coisa e para outros outra e que a lei não é igual para todos, sem argumentos. Foi assim também ainda há poucos dias quando mandou num ato de fúria competitiva o telemóvel de um jovem ao chão. Esteve mal? Claro que sim. Foi um ato irrefletido e estúpido? Sem dúvida. Mas quem de nós nunca teve uma atitude menos própria? Aqueles que tentaram rapidamente emprestar uma gravidade ainda maior ao caso dizendo que se tratava de um rapaz autista já pararam para pensar que o Ronaldo nem olhou para quem estava a filmar e estava longe de saber se era um menor e muito menos autista? Já todos sabemos que o nosso número 7 tem mau perder, é-lhe difícil encarar a derrota, foi aliás essa a mentalidade que o levou ao topo. Sabemos também que à medida que a carreira se vai aproximando do fim mais difícil será para uma personalidade competitiva como a dele ver o banco de suplentes como um lugar comum ou aceitar de animo leve que já não dá para jogar os 90 minutos. Esse aliás será o seu próximo grande desafio, a imagem que deixará nos anos que lhe restam como jogador profissional de futebol.

Agora de uma coisa eu não tenho a mínima duvida. O Cristiano Ronaldo será recordado por muitos e bons anos como uma figura icónica não só do nosso desporto como da nossa sociedade. Um símbolo inestimável para o turismo e para as marcas da Madeira e de Portugal. O que ele atingiu como jogador, à conta do seu esforço, da sua dedicação, capacidade de trabalho e de superação deveria ser um exemplo para todos nós. A homenagem que lhe foi prestada nos estádios dos rivais Liverpool e Arsenal em Inglaterra atestam uma figura que está muito para lá dos clubes e que vai mesmo além das fronteiras que conhecemos. É global a sua afirmação e é tremenda a notoriedade que conquistou. Em Inglaterra, palco dos palcos e berço do desporto rei, recebeu nunca altura tão difícil como será a da morte de um dos seus recém nascidos filhos, o cálice da vida eterna e a confirmação ( se alguém ainda duvidasse ) de que é e será um dos melhores de sempre, dos que emprestam magia ao jogo e fazem os adeptos vibrar.

É por isso que os verdadeiros fãs deste desporto que tanto nos apaixona mas sobretudo a maioria dos portugueses anónimos nunca o deixarão caminhar sozinho, nem a ele nem a outras referências a quem devemos tanto, não por serem mais do que nós mas porque projectam a imagem das nossas regiões e do nosso país de uma forma inigualável. Esse reconhecimento é mais do que justo e merecido.