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Carlos Silva termina nove anos de liderança da UGT marcados por crises consecutivas

Foto ANDRÉ KOSTERS/LUSA
Foto ANDRÉ KOSTERS/LUSA

O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, considerou que os seus nove anos de liderança da central foram marcados por crises consecutivas, que não lhe deram "um momento para respirar fundo".

"Foram nove anos de crises consecutivas, em que tudo aconteceu. A UGT, e todas organizações da sociedade civil, viveram um clima de incerteza e dificuldades, sobretudo para quem ganha menos", disse Carlos Silva em entrevista à agência Lusa.

Segundo o sindicalista, ao longo dos dois mandatos que cumpriu como secretário-geral da UGT, nunca teve "um momento para respirar fundo".

"Foram nove anos sempre de vacas magras [...], mas a UGT sobreviveu e continua a tentar sobreviver e a defender aquilo que são os direitos dos trabalhadores, embora num contexto continuadamente difícil", afirmou.

Carlos Silva lembrou que "foi muito difícil" ter iniciado o seu primeiro mandato em pleno programa de austeridade, em abril de 2013, após o acordo de concertação social de 2012, subscrito pelo seu antecessor, João Proença, que impôs vários retrocessos em termos de legislação laboral e reduziu várias matérias remuneratórias, por exigência da 'troika' como contrapartida para a assistência financeira a Portugal.

"Depois veio a gerigonça, com um Governo do PS minoritário muito condicionado, com uma política centralista e anti-concertação social. A seguir, a pandemia da covid-19 e agora, que se retomava o crescimento económico e se ultrapassava a crise, a invasão da Ucrânia condiciona de novo o crescimento da economia e dos salários", considerou.

Como "a central vive em função dos trabalhadores e dos seus sindicatos", também tem sofrido as consequências das crises dos últimos anos.

"Os sindicatos sofreram uma erosão nos últimos anos, com a precariedade e os baixos salários", disse.

Carlos Silva referiu o exemplo do setor financeiro, que perdeu milhares de trabalhadores nos últimos anos devido às reestruturações feitas na banca, com reflexos na sindicalização e nas contribuições para a central.

Mas, segundo disse, a sindicalização cresceu na Administração Pública, indústria e energia, "porque são setores responsáveis pela melhoria das exportações, com impacto no emprego e na sindicalização".

"O sindicalismo é um reflexo da vida laboral dos países. Se há mais trabalho, mais emprego, o número de sindicalizações cresce", afirmou.

De acordo com o responsável, a central sindical "tem vivido e sobrevivido em função das bolhas de crise dos últimos anos".

"Mas apesar de tudo a UGT mantém-se hoje numa posição de alguma estabilidade que me apraz registar", disse.

Carlos Silva defendeu, a propósito, que o diálogo social e a negociação coletiva tem de ter consequências para que os trabalhadores percebam que ganham em ser sindicalizados.

Deu como exemplo o setor da educação, que se tornou cada vez menos atrativo, devido às carreiras, salários e condições de trabalho, porque houve "incapacidade do membro do Governo para encontrar soluções para o setor".

"Não houve disponibilidade do Governo para ouvir os sindicatos, para encontrar soluções para o rejuvenescimento do setor", afirmou.

Segundo o sindicalista, "o diálogo social e o diálogo com os sindicatos sofrem as consequências dessas ausências" do Governo, até porque os representantes patronais têm tendência para fugir ao compromisso.

"O patronato copia os piores exemplos do Estado [...], é por isso que o País continua assente no paradigma dos baixos salários", declarou.

Carlos Silva lembrou ainda que o primeiro-ministro está aberto a um acordo de concertação social sobre rendimentos e competitividade, mas o objetivo inicial era mesmo a valorização dos rendimentos dos portugueses, "que são a vida dos trabalhadores".

"A competitividade foi praticamente imposta pelos patrões, [...] para justificar ao país que não têm condições para aumentos salariais, nem mesmo do salário mínimo nacional", afirmou.

Para Carlos Silva, o primeiro-ministro "tem aqui um problema, que tem que tentar ultrapassar".

Quanto ao bloqueio da negociação coletiva dos últimos anos, o sindicalista considera que a solução "depende da queda da caducidade" do Código do Trabalho, embora as opiniões não sejam unânimes, mesmo a nível sindical.

"Há sindicatos com diferentes posturas, mesmo na UGT. Tudo depende do que vier por via da alteração da legislação laboral. Mas a caducidade deixa os sindicatos em estado de necessidade, com as calças na mão".

O ainda líder da UGT lembrou que "a agenda para o trabalho digno suspendeu a [possibilidade de] caducidade [das convenções coletivas] até 2024".

"Então porque não a deixar cair, não é pela UGT que se mantém", disse.