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A HISTÓRIA: um remédio com prescrição

A consideração da História enquanto lugar crítico, reflexivo, de interiorização do passado para que se critique também o presente e se abra, simultaneamente, brecha para futuro, como o cria Marc Bloch, tem vindo a deteriorar-se.

A disciplina de História sofreu, desde alguns anos, uma degradação evidente: aferível pelo decréscimo de tempo lectivo que se lhe dedica nos currículos escolares; mas também pela centralidade que se observa do serviço noticioso, que congrega forças extremamente poderosas na actualidade, cadenciando os dias, como aliás já Marc Augé o viu quanto ao papel central da televisão, por exemplo, que diz ter substituído a função dos campanários. A História, apesar de lhe vir sendo reivindicado um estatuto sobremaneira científico, tem uma profunda ligação à imaginação, por um lado, e, por outro, ao conceito de acontecimento, avultando as palavras como compromisso entre imagem e facto. Sendo o estudo dos acontecimentos e a enunciação de factos dados no Tempo, a História, ela própria, exige tempo, nomeadamente, para credenciar a imaginação e, assim, criar imagens válidas que as palavras vêm selar. Portanto, sem afastar o rigor com que vai ao passado, munindo-se de documentos que asseverem a prova do que afirma e que, no mesmo gesto, dão forma a uma paisagem narrável, a História providencia sumo simbólico, digamos assim, alimento do espírito, impalpável, mas perceptível no alento que possibilita quanto à acção humana. Ou deveria, se para isso houvesse Tempo, histórico, e tempo existencial, nesta actualidade fervilhante e essencialmente lisa, brilhante, fosforescente que se sintetiza nos écrans.

Entretanto, outro problema se assinala: a perspectiva de que fazer História é dizer ostensivamente o que foi, quando a História, para lá de dizer o que foi deve, e muito, fixar o que poderia ter sido, e o é, concomitantemente, no presente: para o que nos alerta, por exemplo, Walter Benjamin. Ou seja, e aqui entra o outro ordenador da História – o espaço, para estudarmos os acontecimentos e enunciarmos os factos no Tempo devemos providenciar-nos de um marcador que delimite, sem enfraquecer, a imaginação: pelo que não vale, claro, tudo, nem sequer são igualmente defensáveis, e úteis, todas as propostas que caibam na designação de estudo histórico. E isto porque o próprio fazer da História se dá, então, no Tempo e deverá servir, ainda, a comunidade: robustecendo animicamente, alimentando simbolicamente. Então, a História não é um campo eminentemente abstracto, porque o seu sujeito-móbil primordial, humano, o também não é: o historiador, os povos, os protagonistas, os agentes, as culturas.

Por exemplo, e esta era uma das preocupações latentes de Walter Benjamin: será realmente útil, para hoje e como horizonte de futuro, reabilitar os impérios antigos como entidades dignas de estatuto reactivável e essencialmente abstracto? O que não significa que se esteja a branquear a História, mas sim a defender que a “ideia” de Império do passado não deve vir ocupar o espaço no presente como encenação fidedigna, ou seja, como totalização oca porque: já não é possível regressar ao passado fisicamente, e, por outro lado, a imaginação contribui para abrir futuros. Uma coisa é preservar as ruínas, outra, bem diferente, é arruinar as imagens. Pelo que a História deverá ser, efectivamente, um remédio com prescrição.