Procuradora-Geral da República diz que persistente falta de meios compromete acção do Ministério Público
A Procuradora-Geral da República (PGR) alertou hoje que as potencialidades do Ministério Público (MP) estão condicionadas por um "expressivo e persistente défice de recursos materiais e humanos".
"A vastidão de competências que estão atribuídas (ao MP), sem paralelo na generalidade dos outros Estados, e o atual contexto em que as exerce, em particular, o grave défice de quadros -- avultando o ritmo de jubilações que vêm ocorrendo e que previsivelmente continuarão a ocorrer nos tempos mais próximos --, tornam bem difícil a gestão e igualmente o desempenho de todos e de cada um dos magistrados", advertiu Lucília Gago na cerimónia de abertura do ano judicial.
Segundo Lucília Gago, a falta de meios do MP permite "justificar a afirmação de ser a autonomia do MP insatisfatória, e até ilusória, ao não contemplar a vertente financeira".
Para a PGR, "nesse contexto adverso pontua também a generalizada insuficiência da afetação de oficiais de justiça e de recursos materiais e humanos para dar cabal resposta às cada vez mais imprescindíveis perícias financeiras, contabilísticas e informáticas, com reflexos negativos e até de verdadeira asfixia de domínios".
Lucília Gago falou ainda da situação pandémica e dos seus efeitos na sociedade e na justiça, na recuperação de ativos como área prioritária do MP, dos direitos dos jovens e crianças, do regime jurídico do menor acompanhado, da violência doméstica, da expansão do fenómeno da cibercriminalidade, dos desafios da nova era digital e dos interesses difusos, nomeadamente na defesa do ambiente.
Elegeu ainda como prioritário o "combate intransigente aos fenómenos criminais especialmente graves, integrados quer na cibercriminalidade, quer na criminalidade económico-financeira, quer ainda na criminalidade violenta e organizada".
Em relação à cibercriminalidade, a PGR indicou que a expansão do fenómeno se tornou "galopante, com as denúncias apresentadas ao MP a mais que duplicarem de 2019 para 2020 e de 2020 para 2021", observando que os dados mais recentes apontam para um enorme aumento do número de casos em 2022.
Quanto à recuperação de ativos e ao combate à criminalidade mais grave e complexa, a PGR entende que "é indispensável assegurar que os criminosos não retiram qualquer vantagem económica da sua prática, privando-os, sem contemplações e sem exceções, dos benefícios económicos gerados pela atividade criminosa", por vezes associada ao branqueamento de capitais e terrorismo.
"Reiteramos o forte empenho da Procuradoria-Geral da República na criação de uma efetiva cultura de recuperação dos ativos, traduzida na interiorização por todos os magistrados do MP da indispensabilidade de realização de uma investigação patrimonial e financeira tendente a confiscar as vantagens obtidas pelos criminosos com a prática do crime, garantindo que este não compensa", vincou.
Lucília Gago lembrou ainda que os objetivos estratégicos de política criminal para o triénio 2022-2024 passam pelo combate à corrupção e crimes conexos, tendo presente o risco associado ao aumento dos fundos públicos disponibilizados para o combate à crise económica bem como os riscos de abuso de regimes específicos de flexibilização nos procedimentos de contratação pública ou de fiscalização financeira.
Referiu também que a violência de género, que continua a apresentar um nível preocupante de frequência e gravidade, nomeadamente face à agudização dos riscos de menor capacidade de reação das vítimas a situações violentas, em particular das mais vulneráveis como mulheres e crianças.
No capítulo dos direitos das crianças e dos jovens, mencionou que a dinamização da intervenção tutelar educativa vem merecendo particular atenção perante fenómenos de criminalidade violenta e grave praticados por jovens e também face às potencialidades de prevenção criminal que encerra.
Considerou ainda que face ao impacto da pandemia e da guerra surgem acrescidas necessidades de proteção dos adultos vulneráveis.
A PGR apelou também para a necessidade do reforço da qualidade e quantidade dos equipamentos informáticos e dos meios digitais disponíveis, particularmente "num tempo em que o teletrabalho gera maior nível de utilização dos sistemas informáticos e novas exigências a nível da fluidez e segurança das comunicações eletrónicas", dizendo ser preciso assegurar a transição digital na área da justiça.
"Esse reforço (...) traduz o sinal de modernidade gerador de eficácia e celeridade, capaz de positivar avanços anunciados, mas ainda muito longe de plena concretização", concluiu.