Tiago Pitta e Cunha defende aposta na energia eólica flutuante e biotecnologia marinha
O especialista em assuntos marinhos Tiago Pitta e Cunha defendeu hoje que Portugal deve apostar na energia eólica flutuante, em vez de "sobrecarregar" o território com parques fotovoltaicos, e na biotecnologia marinha à escala industrial.
Na cerimónia em que recebeu o Prémio Pessoa 2021, na Culturgest, em Lisboa, Tiago Pitta e Cunha considerou que Portugal não tem evoluído como devia em matéria de conservação da natureza e em particular dos recursos marinhos -- "estamos longe, enquanto país, enquanto Estado e enquanto sociedade civil, de sermos exemplares" -- e deve fazer mudanças profundas, com a ambição de se tornar "uma das potências marítimas do novo paradigma do século XXI".
"É necessário saber fazer escolhas, apostar em políticas industriais concretas onde podemos ter vantagens competitivas comparativas", afirmou, propondo que Portugal opte por "reduzir a escala industrial de pesca a uma escala sustentável e, ao invés, aumentar a escala ainda laboratorial da biotecnologia marinha à escala industrial".
Segundo Pitta e Cunha, a "geografia avassaladoramente marítima" do país deve ser a base das opções político-económicas: "Temos a maior plataforma continental da Europa e temos a tecnologia eólica 'offshore' flutuante para podermos ser grandes exportadores de energia renovável, ao invés de sobrecarregar mais ainda o nosso território terrestre com parques fotovoltaicos de proporções absurdas, sob pena de nos próximos poucos anos destruirmos um dos últimos ativos do nosso capital natural, a paisagem".
"Apostemos, pois, na eólica flutuante, criando os incentivos necessários, tornando esta indústria competitiva", reforçou o jurista, especialista em assuntos do mar.
Pitta e Cunha defendeu também o "desenvolvimento da indústria dos bivalves e das algas".
"Se fizermos estas apostas hoje, se formos para onde vai o futuro, se nos anteciparmos, quem sabe se em dez anos não poderemos ser a potência marítima que a Noruega é hoje? Este deve ser o nosso fim último: tornarmo-nos uma das potências do novo paradigma do século XXI. Seguramente que vale a pena tentar", sustentou.
O premiado alertou que o planeta está a ser delapidado "irreversivelmente" e que é imperioso um "novo paradigma" económico, que "assente em energias renováveis, em modelos de consumo mais moderados e em novas dietas alimentares".
Relativamente a Portugal, condenou o aumento das áreas urbanas, a ocupação de mais solos agrícolas e destruição de árvores. "Insistimos erradamente na economia linear e extrativa do passado quando incentivamos e autorizamos novas explorações mineiras", criticou.
"Com os incêndios florestais estamos a ver desaparecer, no espaço de uma geração, o capital natural verde de Portugal. A Serra de Monchique, com florestas centenárias, que era a principal barreira à desertificação acelerada do sul do país, desapareceu quase por completo nos últimos 20 anos. Foi uma tragédia que, julgo, não foi ainda verdadeiramente percebida pela sociedade portuguesa", apontou.
O administrador da Fundação Oceano Azul referiu que um estudo pedido por esta instituição à Universidade do Algarve concluiu que "essa região perdeu, só nos últimos 20 anos, quase 70% dos seus recursos piscícolas, por causa direta da pesca desregrada", o que no seu entender "deveria suscitar uma reflexão profunda".
"Por outro lado, como explicar que há mais de 30 anos não é feita em Portugal continental uma área marinha protegida com significado?", interrogou.
O premiado apelou a "uma profunda mudança de mentalidades" a favor da valorização e conservação da natureza, que vá "desde a reforma da ação do Estado até ao âmago da sociedade".
"Se conseguirmos orientar a nossa sociedade nacional, o Estado e a sociedade civil em conjunto, na direção do futuro, que é inelutavelmente a da sustentabilidade ambiental, da restauração da natureza e da descarbonização da economia, Portugal tornar-se-á também num lugar admirável. Estou convicto de que este é o desígnio da minha geração", declarou.
Tiago Pitta e Cunha é membro do conselho de administração e diretor da comissão executiva da Fundação Oceano Azul, ligada à Fundação Francisco Manuel dos Santos, que tem a concessão do Oceanário de Lisboa. Foi consultor do anterior Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, que assistiu a esta cerimónia.
O Prémio Pessoa é uma iniciativa do jornal Expresso, com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos, atualmente com o valor de 60 mil euros. É atribuído anualmente há 35 anos a uma personalidade nacional que se tenha destacado nas áreas cultural, literária, científica, artística ou jurídica.
Antes do premiado, discursou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Estiveram neste cerimónia os ministros da Cultura, Pedro Adão e Silva, e do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas.