Multidões, solidões e pedras a louvar em Semana Santa

Numa visita à Normandia, França, acompanharam-me a conhecer o Mont-Saint Michel. Uma maravilha de arte em pedras e paisagem. O mosteiro já fora abrigo de oração e contemplação; um belo quadro de arte em pedra com assembleias a entoar orações e cantos litúrgicos. Agora estava transformado em espaços de turistas a contemplar belas pedras silenciosas. Quarenta anos depois tornei a visitá-lo. Observei com agrado um ângulo com capela artística e dois genuflexórios com duas pessoas a orar em silêncio diante do Santíssimo. Num mosteiro no norte de Paris só vivia um monge e um candidato a dar vida de oração às pedras. Há, contudo, grandes multidões a louvar a Deus em igrejas e fora delas; e outras, em silêncio ou destruídas.

Os relatos diários de cidades e guerras lembram cenas destas semelhantes às narradas na Semana Santa. A multidão de Jerusalém no Domingo de Ramos entoa cântico de hossana ao Filho de David; na Sexta-Feira Santa, outra multidão grita: mata-O, mata-O! Nem faltam momentos de solidão e silêncio: no Jardim das Oliveiras, Jesus ora só e os três que estão mais perto, dormem. Junto à cruz são poucos os que estão presentes. No silêncio contemplativo cheio de sentido, ouve-se o centurião e Jesus na Cruz a dizer e rezar as palavras mais significativas alguma vez pronunciadas.

Também nesta guerra da Ucrânia, não faltam multidões, solidões e pedras caídas em silêncio. Multidões que fogem por medo, multidões que rezam nas igrejas, que enchem autocarros e comboios. Gente com medo, como os apóstolos quando Jesus é preso, ou já na casa de Caifás com Pedro, junto da fogueira; muitos assustados e receosos que se afastam do Calvário. Muito sofrimento e dor! Multidões nos subterrâneos das cidades da Ucrânia, em oração, aflitas, a chorar os seus maridos e filhos mortos nas casas bombardeadas e reduzidas a pedras caídas como as do Templo de Jerusalém no ano 70. Nem faltam pessoas em dor a invocar aflitas a Virgem Maria. São Vladimiro converteu-se ao cristianismo em 988 e cristianizou Rus(sia) de Kiev, no século X. E, em 1037, o país terá sido o primeiro a ser consagrado à Mãe de Deus por Yaroslav, como Ela lembrou em 1987 a Marina Kyzin, de 12 anos, em Hrushiv, em que veio consolar o povo dos oitenta anos de sofrimento e escravatura do comunismo messiânico, sem Deus e sem Jesus Cristo, que já terá sido anunciado em 12.05.1914 de que perderia a independência, mas não a fé. Foi em 24 de agosto de 1991 que recuperou a independência; e agora luta para não perder de novo.

Onde estão hoje as multidões com Jesus Cristo e as multidões de uma nova ordem sem Ele? Mais na Rússia? Ou mais no Ocidente? As que estão com Cristo ouvirão, sempre de novo, a sua resposta dada aos fariseus: se os meus discípulos calarem os meus louvores até as pedras gritarão hossana ao Filho de Deus. Nos últimos tempos mais igrejas, em silêncio, cantam os louvores dos mártires e dos fiéis dos séculos passados. Até as pedras das igrejas destruídas pela Revolução Francesa e pela Rússia comunista, sem Deus, cantam hossanas silenciosos ao Filho de Deus, “destruído” na cruz, mas ressuscitado ao terceiro dia. Na Páscoa somos convidados a meditar nas suas palavras de esperança perante todas as solidões, dores e mortes. Jesus dirá sempre, mesmo em igrejas vazias e de pedras caídas, por medo e falta de fé: “não temais, pequeno rebanho”. E sua Mãe que não teve medo de estar junto da Cruz, em dor e quase só, aceitou do seu Filho Jesus as multidões de filhos: “eis o teu filho”. E não nos abandona, mesmo quando o diabo, já de cabeça esmagada pelo seu pé, ainda mexe. Ela continua a prometer a conversão da Rússia Comunista a Deus e à única Igreja católica e apostólica; e o triunfo do seu Imaculado Coração (cf. vídeo de Álvaro Mendes. Lucas Lencastre e Taiguare Fernandes - Centro Dom Bosco). Quando? Como? Nossa Senhora pede confiança e a reza do terço, não diz quando será.

Vivemos em tempos de paixões dos homens que podem levar a fazer bem por amor e a fazer mal por ódio. A Paixão de Cristo é sempre de amor. Infelizmente, muitos sofrimentos e tormentos que afligem a humanidade, com guerras e contra-guerras de ódio, armas e morte, devem-se às paixões dos homens. A Semana Santa convida a apaixonar-nos pelo bem e pela paz de todos os irmãos. Até os gentios (podem) dar glória a Deus pela sua misericórdia (Rom 15, 8.9). E convida a dizer como Jesus na cruz: Pai, perdoa-lhes, (perdoa-nos) porque não sabem o que fazem. (cf. http://www.divinemysteries.info/our-lady-of-the-ukraine-hrushiv-ukraine-1914-and-87/ (em 13.04.2022).

Aires Gameiro