Brasil critica sanções à Rússia devido a impacto nas reservas de fertilizantes
O embaixador brasileiro nas Nações Unidas criticou as tentativas de isolamento e as "sanções unilaterais" impostas à Rússia, argumentando que estão a prejudicar vários países, incluindo o Brasil, que tem reservas de fertilizantes apenas até outubro.
Num encontro com jornalistas em Nova Iorque, no qual a Lusa participou, o chefe da missão diplomática brasileira, Ronaldo Costa Filho, negou estar do lado da Rússia, mas foi firme ao criticar a aplicação de sanções unilaterais a Moscovo.
"O Brasil está, assim como todo o mundo, penso eu, chocado pela flagrante violação da carta das Nações Unidas por parte da Rússia. (...) A invasão russa representa uma flagrante violação da soberania e da integridade do território da Ucrânia. E acho que estamos aliados com a maioria dos países do mundo nesse tipo de avaliação", esclareceu na abertura do encontro.
"Mas onde acho que somos um pouco diferentes é na resposta que achamos que deveria ser dada. Nós temos certas dúvidas nas sanções, muito amplas e abrangentes, que têm sido aplicadas à Rússia. Vemos a aplicação de sanções unilaterais (...), que têm afetado países terceiros e até o Brasil tem sentido isso", assumiu.
De acordo com o diplomata, devem-se a estas sanções os impactos que países em desenvolvimento estão a enfrentar em áreas como energia, comida e finanças.
"Tenho sido questionado sobre o motivo pelo qual o Brasil estar preocupado, uma vez que é um dos maiores fornecedores mundiais de alimentos. Estamos preocupados porque somos dependentes da importação de fertilizantes. 85% usados no Brasil vêm do estrangeiro e ajudam o setor do agronegócio a alimentar mil milhões de pessoas por dia", explicou Costa Filho.
"Os nossos cálculos correntes no Brasil indicam que temos estoques de fertilizantes até outubro. Mas o que acontece depois disso, se não conseguirmos encontrar fontes alternativas, é uma interrogação ainda", disse.
A Rússia, a 11.ª potência económica mundial, acima do Brasil e atrás da Coreia do Sul, segundo dados do Banco Mundial, é um parceiro comercial relevante para a nação sul-americana no fornecimento de fertilizantes.
Embora em termos gerais nem a Rússia, nem a Ucrânia, possam ser comparadas com os principais parceiros comerciais do Brasil, que são atualmente a China e os Estados Unidos da América (EUA), a guerra pode causar muitos danos ao agronegócio porque os agricultores temem problemas na importação dos fertilizantes, que são fundamentais para o Brasil atender às expectativas de bater recordes na sua colheita agrícola este ano.
"Fomos confrontados com o argumento de que os fertilizantes não foram sancionados, mas o sistema financeiro na Rússia foi sancionado e é difícil arranjar pagamento para as compras desses fertilizantes. Além disso, os transportes foram comprometidos, o que torna difícil a saída desses produtos da Rússia. Estas são as preocupações económicas que temos", detalhou o embaixador.
Num encontro marcado com jornalistas com o intuito de esclarecer a posição do Brasil em relação à guerra na Ucrânia, Ronaldo Costa Filho mostrou ainda ter uma "preocupação política significativa" com a abordagem do isolamento que tem sido imposta à Rússia pelos países ocidentais.
"Nós acreditamos no multilateralismo, na diplomacia e que os países se devem sentar e falar dos seus problemas, encontrando uma saída. Temos de manter o diálogo e as negociações no processo, o que não significa de forma nenhuma que compactuamos com o que tem sido feito na Ucrânia", frisou.
Na quinta-feira, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou, por 93 votos a favor, uma resolução que suspende a Rússia do Conselho de Direitos Humanos devido a alegados crimes de guerra e crimes contra humanidade na Ucrânia.
A resolução, apresentada pelos EUA e apoiada pela Ucrânia e outros aliados, obteve 93 votos a favor, 24 contra e 58 abstenções entre os 193 Estados-membros da ONU.
O Brasil foi um dos países que se absteve, tendo justificado essa a decisão na quinta-feira com a necessidade de se esperar pelas conclusões da comissão de inquérito criada anteriormente sobre os crimes de guerra cometidos na Ucrânia.
Contudo, neste encontro com jornalistas, Ronaldo Costa Filho foi mais longe nas suas explicações e frisou que o grande número de abstenções mostrou que "há limites para esta campanha de isolamento" contra Moscovo.
A abstenção "foi uma decisão difícil de se tomar, porque votar contra esta resolução podia ser interpretada como um alinhamento com a Rússia e não é esse o sinal que queremos dar. Nós não estamos do lado da Rússia, estamos do lado do multilateralismo", reforçou.
"Acho que a mensagem foi bem transmitida na quinta-feira. Falei com alguns embaixadores e há a perceção de que esta votação mostrou, mais ou menos, que há limites para esta campanha de isolamento. O apoio foi muito menor do que os que apresentaram a proposta esperavam. A votação claramente mostrou que há a perceção de que a tática de isolamento já está a ir um pouco longe demais. Foi for isso que nos abstivemos", declarou o diplomata.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que matou pelo menos 1.626 civis, incluindo 132 crianças, e feriu 2.267, entre os quais 197 menores, segundo os mais recentes dados da ONU, que alerta para a probabilidade de o número real de vítimas civis ser muito maior.
A guerra já causou um número indeterminado de baixas militares e a fuga de mais de 11 milhões de pessoas, das quais 4,3 milhões para os países vizinhos.
Esta é a pior crise de refugiados na Europa desde a II Guerra Mundial (1939-1945) e as Nações Unidas calculam que cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.