O bom, o mau e o assombrado
Do partido que não é carne, nem peixe, saiu Cristina Rodrigues
As esquerdas unidas decidiram rejeitar a candidatura de Cotrim Figueiredo, um perigoso fascista, a Vice-Presidente da Assembleia da República. Obviamente, nenhum deputado estava obrigado a viabilizar a eleição. O problema está em juntar o chumbo do candidato do Chega ao chumbo do candidato liberal, criando a ideia que são ambos da mesma área política e que defendem as mesmas ideias. Estão de parabéns os génios que engendraram esta patifaria parlamentar. André Ventura agradece.
O bom: Listrão dos Profetas – Vinho da Corda
O vinho Listrão dos Profetas – Vinho da Corda, produzido por António Maçanita e Nuno Faria, conquistou a melhor nota de sempre para um vinho madeirense na publicação especializada Jancis Robinson. Isto depois de ter conquistado semelhante façanha nas páginas da publicação americana Wine Advocate. Só esse reconhecimento teria sido razão suficiente para este singelo destaque. Mas é a história deste vinho branco do Porto Santo que o torna verdadeiramente especial. O Listrão dos Profetas é um vinho improvável. Nasce num meio inóspito, ventoso, com pouquíssima chuva e faz-se de castas pouco comuns – Caracol e Listrão. É, em certa medida, uma viagem pela tradição vinícola do Porto Santo e uma louvável tentativa de recuperação de uma cultura que o tempo tornou uma memória distante. Não são apenas as castas, com mais de 80 anos, que dão história ao vinho, é também a sua técnica de produção. O vinho da corda era assim conhecido por ser o resultado da última prensagem do mosto e traz-nos à memória a velha forma de produção dos licorosos antes de chegar a aguardentação. O resto da história do vinho conta-se com o abrir da garrafa.
O mau: Cristina Rodrigues
Do partido que não é carne, nem peixe, saiu Cristina Rodrigues. Apesar de se ter desvinculado do PAN em 2020, a deputada continuou na Assembleia até ao final da legislatura. Da caminhada solitária como deputada não inscrita, pouco se conhece do trabalho parlamentar de Cristina Rodrigues para além da viabilização do Orçamento do Estado para 2021, frete que partilhou com Joacine Katar Moreira. No entanto, um olhar mais atento à carreira da deputada revela uma flexibilidade política preocupante. Há propostas para todos os gostos. Umas para agradar à direita, como o aumento de várias molduras penais, e outras para piscar o olho à esquerda, exemplo de várias alterações ao Código do Trabalho. Pelo meio, a deputada ainda teve tempo para cimentar a base animalista, ao propor as faltas justificadas para assistência a animais, e ensaiar uma aproximação às causas LGBT, através de várias propostas sobre a orientação sexual. Tal como o PAN, Cristina Rodrigues fez da sua curta carreira política uma perigosa manobra de equilibrismo, resumida no paradoxo de não ser de direita, nem de esquerda. No caso da deputada, a ambivalência ideológica permitiu que, após o final do mandato, passasse a exercer funções no Chega. Não serão funções políticas, é certo. Ainda assim, a contradição entre a carreira parlamentar de Cristina Rodrigues e as posições do partido de André Ventura é tão gritante que desafia qualquer hipótese de compreensão. A única explicação é o éter ideológico de onde provêm o PAN e Cristina Rodrigues. No caso da ex-deputada é preciso acrescentar a retirada total de coluna vertebral que lhe permitiu dobrar os princípios até dizer Chega!
O assombrado: Sérgio Gonçalves
Não gabo a sorte do novo presidente do PS. Sérgio Gonçalves recebe um partido profundamente abalado por duas derrotas consecutivas, a primeira, a nível regional, contra Miguel Albuquerque e a segunda, no Funchal, frente a Pedro Calado. Se isso não bastasse, o novel líder socialista herdou, ainda, a oposição interna à anterior liderança e, em vez de a integrar, afastou-a ainda mais. O congresso socialista ainda não tinha terminado e já Sérgio Gonçalves tinha cometido o seu primeiro erro como presidente, como Bernardo Trindade viria a apontar. Se juntarmos a este cenário partidário, a curtíssima militância do novo presidente e a consequente pouca identificação do eleitorado socialista com o seu principal dirigente, percebemos melhor a dimensão da tarefa de Sérgio Gonçalves. Apesar das dificuldades que terá pela frente, o recém-eleito presidente do PS não deve merecer menosprezo político. Tem um perfil mais jovem e liberal que o seu antecessor, o que lhe pode permitir alcançar um eleitorado normalmente hostil ao PS. Aliás, das intervenções de Sérgio Gonçalves sobressai um discurso estruturado sobre política económica e fiscalidade. Esse será, porventura, o seu ponto mais forte. O que o atrapalha é a realidade. A partidária e a política. Primeiro, porque não é certo que o seu partido e o seu eleitorado habitual se identifiquem com a nova mensagem do líder. Segundo, porque a primeira missão de uma nova liderança é distinguir-se da anterior, sob pena de viver assombrado pelo passado. Nesse esforço de diferenciação em relação a Paulo Cafôfo, Sérgio Gonçalves tem o seu maior desafio político. Especialmente pelos lugares de destaque, no partido e no Governo da República, que Cafôfo continua a ocupar. Das duas, uma: ou Sérgio Gonçalves se liberta de Paulo Cafôfo ou o PS vai libertar-se do novo presidente.