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O Putin que parimos...

Ainda não refeitos da crise sanitária e dos seus efeitos trágicos globais, estamos a braços com uma guerra bem no coração da Europa, protagonizada pela Federação Russa e o regime de Vladimir Putin, o que não equivale dizer o povo russo, esse, também espezinhado pelo totalitarismo do ex-diretor do Comité para a Segurança do Estado (KGB), os antigos serviços secretos da ex-União Soviética.

O ocidente alimentou a besta durante muitos anos, enquanto os novos-ricos da Rússia iam-se apropriando dos despojos da fragmentação soviética, consentidos pela liderança crescente e omnipresente de Putin (que sempre se viu como um novo czar do império perdido) e assim ia distribuindo pelos seus sobas, o produto do saque. Putin não é a única besta que o ocidente alimenta. Há outras mais ou menos adormecidas, desde a península arábica até à China (com as quais estamos comprometidos até à alma).

As praças financeiras europeias desdobraram durante anos a passadeira vermelha para que toda esta elite oligárquica russa, fizesse planeamento fiscal a seu belo prazer a lavar dinheiro dos recursos energéticos russos, de que grande parte da Europa foi-se deixando depender, como é disso o exemplo esdrúxulo da Alemanha, pela mão da Srª Merkel. O processo “Luanda Leaks” da elite cleptocrata angolana, comparado com o somatório destes homens próximos de Putin, são pequenos amendoins que nem tapam a cova do dente. Da mesma maneira que em Portugal, quando rebentou o escândalo (mais que conhecido) da origem dos recursos angolanos com que a nata angolana aqui se fazia passear, com as aveludadas carpetes que lhes proporcionávamos, (e assim colonizando a nossa economia sedenta de investimento com o dinheiro sujo angolano), também todo o ocidente, pactuou com os “petro-gaso-dólares” oriundos da Rússia. Até Abramovich (que integrou a primeira delegação negocial russa deste conflito), sacou a nacionalidade portuguesa há dias, e foi um endeusado mecenas do até então insignificante Chelsea que iniciou o percurso cintilante na Premier League. Percebe-se porque é que o ocidente aposta nas sanções económicas de efeito retardado. Nós andámos a engordar a hidra com milhões.

Percebe-se porque uma ditadura controla os media, promovendo uns e encerrando outros, mas enquanto cidadão ocidental, e vivendo em (pretensa) liberdade democrática, não outorgo a governo nenhum, nem ao meu, a censura da propaganda russa, chinesa ou outro afim, pois abjeto a infantilização popular em ambiente democrático. E isso perturba-me tanto quanto a destruição russa da torre de TV ucraniana.

Mas, se a maioria das opiniões acha que Putin é o novo Anticristo, pelas atrocidades que está a fazer na Ucrânia, porque ninguém se revoltou na esmagadora repressão ocorrida há anos com a sua assinatura, na martirizada Tchetchénia? Ou na Síria de Bashar Al-Assad? Putin é o que sempre foi. Kim Jong-Un da Coreia do Norte mandou envenenar o seu meio-irmão em Kuala Lumpur em 2017, mas Putin também havia feito o mesmo em Londres com veneno radioativo (polónio-210) onze anos antes a Litvinenko - um espião crítico de Putin. Alguém deixou de fazer negócios com Putin na Europa por causa deste comportamento? E se a questão é mesmo civilizacional, onde os direitos humanos e internacionais são vilipendiados e atirados à sarjeta neste conflito, como é possível a extrema-esquerda portuguesa representada no parlamento da nação e no parlamento europeu, mascarar de forma sonsa a agressão irracional russa perante outro país soberano?

Ainda nestes dias assisti na TV ao socialista Fernando Medina a comentar este conflito embarcando no comboio da indignação, quando foi precisamente no seu mandato enquanto edil de Lisboa, que rebentou o escândalo da Câmara da capital que enviava as listagens de manifestantes opositores do regime de Putin, que se manifestavam em Lisboa, à embaixada russa.

A velha manta de retalhos europeia de que somos feitos, tem de fazer opções muito claras. Temos de definir se queremos nos aninhar nos negócios escusos das conhecidas ditaduras, ficando à mercê dos desaires e apetites medievais das mesmas. Temos de apostar na nossa defesa comum da NATO, pois a diplomacia, não é a linguagem dos alucinados.

Enquanto nada disto decidirmos, ficaremos sempre à mercê de humores, apetites e loucuras alheias, porém, por nós consentidas e indiretamente alimentadas.