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Nenhuma conquista é eterna

Acreditámos que a humanidade evoluiria sem retrocessos históricos e civilizacionais significativos. Assumimos como definitivamente adquiridas as conquistas em matéria de respeito pelos direitos humanos, de liberdade e de autodeterminação dos povos. No fundo, assumimos a paz como uma conquista sagrada do mundo desenvolvido, apenas com desvios em comunidades longínquas, quase abandonadas e ainda muito marcadas por incompreensíveis fundamentalismos retrogradas que íamos tentando gerir ou controlar. Assumimos a violência como um fenómeno pontual.

E foi assim que foram surgindo lideranças políticas cada vez mais fracas em países que se assumiram no passado como grandes potências mundiais. Foi assim que nos fomos entretendo com temáticas políticas de circunstância, com encontros mundiais e cimeiras inócuas. O mundo foi andando num laissez faire et laissez passer. Este laxismo político liberal deu no que deu. Relaxámos nas conquistas históricas do passado. Tudo parecia calmo. Surgiram os políticos primários de oportunidade, sem coragem, sem visão, sem carácter e sem carisma. Os políticos de papel e as instituições e organizações internacionais de fachada entretinham o mundo. Deixámos de ter grandes líderes e a política global passou a ser uma série de entretenimento de manobras ocas e vazias. Não pensámos o futuro. Ignorámos perigos. A política mundial passou a ser banal e o desinteresse na participação no processo democrático evidente.

Despertámos com a pandemia e percebemos que precisávamos de lideranças políticas mais fortes, mas rapidamente voltámos a relaxar perante o triunfo da ciência e da tecnologia ao serviço do bem comum. Pensávamos que estávamos todos vacinados contra o mal e fomos ignorando os sinais de que algo de mal estava verdadeiramente a acontecer: não nos podemos esquecer que a Rússia assumiu claramente a intenção de deter os Estados Unidos, de ignorar a União Europeia e de aliar a Índia e a China, bem como o grande objetivo de levar as fronteiras a 1997. O mundo andava distraído.

E eis que surge este enorme retrocesso histórico: uma guerra cruel e sem razão no centro de uma Europa que se acreditava segura e civilizada, em pleno ano 2022 e perante a inércia e impotência mundial. O mundo não consegue reagir. Morrem crianças inocentes, famílias separam-se e tudo é destruição, sofrimento, angústia, pânico, terror e medo. Tudo é morte. Que mundo estranho este que não consegue reagir e pôr fim a uma guerra que é bem mais que um ataque a um país.

Tudo isto obriga a uma reflexão: mesmo nos momentos de aparente normalidade, não podemos descurar as nossas obrigações cívicas e de participação na vida pública e no processo democrático. Não temos mais margem para deixar que os outros decidam por nós. Não há mais espaço para líderes políticos de passagem, de circunstância ou de oportunidade. Não há mais espaço para maus líderes políticos ou para movimentos e partidos sem liderança que se alimentam do nada. Nenhuma conquista pode ser considerada definitiva. Todos temos de saber manter as nossas maiores conquistas e os valores que consideramos sagrados. É tempo de pensarmos o futuro para além do imediato. Qualquer outro caminho será sempre demasiado perigoso.