Nova versão da "bússola" de defesa da UE já contempla agressão russa
O mais recente esboço do documento que traça a futura política de defesa europeia já incorpora a agressão militar da Rússia à Ucrânia e a necessidade de a UE dar "um salto quântico" em frente, num "ambiente de segurança mais hostil".
Esta terceira versão da chamada "Bússola Estratégica", à qual a Lusa teve acesso, tem a data de sábado e foi hoje apresentada aos embaixadores dos 27, quando restam poucas semanas para a anunciada adoção do documento orientador da nova política de segurança e defesa da União Europeia, prevista para o Conselho Europeu de 24 e 25 de março.
Este novo esboço elaborado pelo Serviço Europeu de Ação Externa dirigido pelo Alto Representante Josep Borrell, e que deverá ser discutido pelos líderes europeus na cimeira informal desta semana (dias 10 e 11) em Versalhes, França, começa precisamente com a constatação do "regresso da guerra à Europa", à luz da invasão da Ucrânia pelo exército russo na madrugada de 24 de fevereiro, que se junta a outras grandes mudanças geoestratégicas já anteriormente identificadas.
"Vemos conflitos, agressões concentrações de meios militares e fontes de instabilidade a aumentar na nossa vizinhança e para além dela, que conduzem a graves sofrimentos humanitários e deslocados. As ameaças híbridas aumentam tanto em frequência como em impacto. [...] Enfrentamos cada vez mais tentativas de coerção económica. Além disso, os conflitos e a instabilidade são frequentemente agravados pelo efeito ameaçador multiplicador das alterações climáticas", lê-se no sumário introdutório do documento, de 41 páginas.
Defendendo que "o ambiente de segurança mais hostil exige" que a UE dê "um salto quântico em frente" e aumente a sua "capacidade e vontade de agir", reforçando a sua resiliência e assegurando a solidariedade e a assistência mútua, o texto nota que "a União Europeia está mais unida do que nunca".
"Estamos empenhados em defender a ordem de segurança europeia. Apoiando a Ucrânia a enfrentar a agressão militar russa, estamos a demonstrar uma determinação sem precedentes para restaurar a paz na Europa, juntamente com os nossos Aliados e parceiros", lê-se.
Relativamente à ameaça que a Rússia representa atualmente, o documento assinala que, "depois da agressão militar na Geórgia em 2008, da anexação ilegal da Crimeia em 2014 e do apoio a grupos separatistas armados na região [ucraniana] do Donbass", o Kremlin "está a tentar ativamente restaurar e expandir as chamadas esferas de influência".
"O ataque contra a Ucrânia está a demonstrar a disponibilidade para utilizar o mais alto nível de força militar, independentemente de considerações legais ou humanitárias, combinado com táticas híbridas, ciberataques e manipulação e interferência de informação estrangeira, coerção energética e uma retórica nuclear agressiva", assinala o documento.
A "Bússola Estratégica", documento atualmente a ser negociado pelos 27 com vista à sua adoção no Conselho Europeu de 24 e 25 de março, em Bruxelas, propõe-se "proporcionar uma avaliação partilhada do ambiente estratégico, das ameaças e desafios" e das suas implicações para a UE, "trazer maior coerência e sentido comum às ações na área da segurança e defesa já em curso", "estabelecer novas formas e meios para melhorar a capacidade coletiva de defender a segurança" da União e cidadãos comunitários, e, por fim, "especificar objetivos e marcos claros para medir o progresso".
Num debate no Parlamento Europeu na semana passada, em 01 de março, a presidente da Comissão Europeia disse que a política de Segurança e Defesa da União Europeia "evoluiu mais nos últimos seis dias do que nas últimas duas décadas", na sequência da resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Em declarações à Lusa em 28 de fevereiro, após uma videoconferência de ministros da Defesa da UE ao quinto dia da invasão russa, o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, considerou que o Presidente e o regime russos "terão subestimado" a capacidade de união da UE face ao conflito na Ucrânia.
"Creio que Putin e o regime dele terão subestimado a nossa capacidade de nos mantermos unidos e com uma postura de grande firmeza em relação ao que se passou na Ucrânia", defendeu o governante.
João Gomes Cravinho disse ter existido nesta reunião "uma grande convergência", bem como "um reconhecimento generalizado de que essa mesma convergência é fundamental como um trunfo" da posição da União Europeia.
O ministro destacou também a "coordenação feita pela União Europeia dos diferentes donativos de material bélico dos países estados-membros da UE", para as autoridades ucranianas, "nesta situação de elevadíssima tensão, não terem de lidar com vinte e tal países diferentes", mas apenas com "um centro de coordenação que é da UE".
Na ocasião, o governante português apontou precisamente que existiu na reunião por videoconferência um consenso de que a "Bússola Estratégica" já devia contemplar "os ajustamentos necessários para refletir a nova realidade geopolítica".
"Creio que todos demonstraram grande consciência de que o mundo mudou no dia 24 de fevereiro, o ambiente estratégico no qual vivemos mudou muito significativamente", sustentou.
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que, segundo as autoridades de Kiev, já fez mais de 2.000 mortos entre a população civil.
Os ataques provocaram também a fuga de mais de 1,7 milhões de pessoas para os países vizinhos, de acordo com a ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas a Moscovo.