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Crocodilos e Porteiros

Ideias novas e estruturais para a Madeira? Nenhuma. Nem uma pandemia e uma guerra à entrada da Europa fizeram alterar o rumo da narrativa

“Nós somos o crocodilo”: foi com esta frase que Miguel Albuquerque resumiu o tom da sua primeira intervenção no Congresso Regional do PSD, qual máquina devoradora de quem ousa pensar diferente. Para que não sobrem dúvidas interpretativas, eis a frase completa: “não se esqueçam nunca no nosso PSD, nem em nenhuma circunstância, que um conciliador, como dizia Churchill, é aquele que não tem princípios e que vai alimentando o crocodilo na esperança de ser comido em último lugar. Nós somos o crocodilo”. A dúvida: serão os mandatários do CDS os “conciliadores sem princípios”?

O Congresso do PSD foi um momento de confirmação do óbvio: ao fim de praticamente 50 anos de governação, o PSD não tem absolutamente nada de novo para oferecer à Região. São os mesmos protagonistas, as mesmas ideias repetidas e o mesmo objectivo comum: conservar o poder pelo poder, custe o que custar. Miguel Albuquerque deu o mote quando recordou que é “instrumental o PSD continuar a governar a Madeira”, sem clarificar para quem. Alberto João Jardim indicou depois, sob a forma de lição para dentro de portas, “os objectivos, a estratégia, as tácticas e a logística” - tudo igual ao antigamente. Rui Abreu confirmou que “para continuar no poder, temos de fazer tudo para isso - seja lá o que seja preciso fazer”. E Bruno Melim, para não deixar dúvidas às novas gerações, concluiu: apesar dos 2.007 milhões de euros a caminho anunciados por Albuquerque, o problema está na transferência progressiva de competências para a União Europeia, fazendo recordar o discurso mais extremista do CDS-PP de Paulo Portas, e na subsidiodependência, aproximando-se do discurso radical do Chega, para quem alguns já olham como possíveis aliados em 2023.

Ideias novas e estruturais para a Madeira? Nenhuma. Nem uma pandemia e uma guerra à entrada da Europa fizeram alterar o rumo da narrativa: o adversário da Madeira é o PS e o inimigo mora em Lisboa. Mas sendo verdade que nada fica de novo e substancial para a Região, há, porém, uma novidade na circunstância política interna do PSD que não pode ser ignorada - uma guerra cada vez menos surda e agora indisfarçável: de um lado, Pedro Calado recordou o impacto das cisões internas nos resultados eleitorais de 2013, 2015, 2017 e 2019, invocando Setembro de 2021 como o momento em que deu “a volta por cima”, destacando o seu papel na governação e da coligação com o CDS; do outro, Pedro Coelho, ajudado por Carlos Teles, recordou as vitórias autárquicas de 2013, 2017 e 2021, construídas sem bengalas, a quem exigiu “fazer mais”. Ora, para os mais atentos a circunstância não é nova: no último Congresso Nacional do PSD, em que Calado perdeu, o posicionamento de um e de outro em listas opostas foi o primeiro sinal de uma divisão que se prolongará até à substituição de Albuquerque. Calado está convencido que tem o direito divino a governar na era pós-Albuquerque - e se em Janeiro de 2022 o seu PSD meteu férias, resta saber o que fará em 2023: o que fez no Funchal em 2013 e responsabilizar Coelho como opositor à estratégia de coligação; ou “dar o litro”, como invocou Teles, com o CDS. Não foi por acaso que Calado recordou 2013: o congresso de união afinal não foi de tão união assim e nos próximos anos a preocupação dos militantes sociais-democratas será ver quem é, afinal, o maior crocodilo dentro do PSD.

É perante este quadro que o PS Madeira prepara o seu congresso deste fim-de-semana. No final do último, em Setembro de 2020, disse o óbvio: a estratégia de criação artificial de uma cisão com o passado recente só teria um desfecho possível - o trágico a que assistimos nas autárquicas do último ano, apesar da responsabilização externa novamente promovida pelo “estratega” do costume. Como reconheceu Jaime Filipe Ramos, o PS Madeira “está ferido, mas morto não está” - e Sérgio Gonçalves tem agora oportunidade para fazer diferente. De interpretar o que os resultados de 2019 nos ensinaram, ou pelo menos a alguns: se o PS Madeira perdeu com o seu maior activo político e com uma máquina montada que contou verdadeiramente com todos, sem excepção, recuperando para a linha da frente nomes então distantes como Rui Caetano e Jacinto Serrão, a opção agora será entre afastar quem sobra, ou reintegrar quem afastado foi, sabendo-se que sem o envolvimento e mobilização total do partido, nada de melhor se adivinhará. Quando o PSD decide replicar os “Compromissos 2030”, é impossível deixar de recordar o “Madeira 2030” lançado há dois anos dentro do PS sem questionar o que continuará a fazer a nossa liderança aos seus impulsionadores.

O PS Madeira é um partido com praticamente 50 anos de História, feito por militantes sem vergonha de resistirem e pertencerem a esta estrutura partidária por décadas e que nunca precisaram que lhes dissessem que as portas do partido estão abertas para poderem lá entrar. São Socialistas Incorrigíveis – e quem nunca teve medo de crocodilos, nunca precisará da permissão de porteiros para lutar.