Sorrisos em São Tomé
Nas várias dificuldades que encontrámos e encontramos sempre que vamos a São Tomé elas rapidamente se transformam em oportunidades de conhecer gente diferente, pessoas boas, prontas para ajudar e que têm pelos portugueses muito carinho e respeito
Esta semana voltei a deslocar-me a São Tomé por motivos profissionais. Quem me conhece sabe que na verdade não é para mim sacrifício algum visitar o continente africano, sobretudo quando falamos dos países lusófonos. E não o é porque África marca de forma indelével quem por lá passa e a quem a ela se entrega. Já o tive oportunidade de referir por diversas vezes e de o discutir com outras pessoas. Ou se ama ou se detesta. Não é só o cheiro a terra, é a pureza da grande maioria da população mas também o facto de em cada visita existir um grau de imprevisibilidade muito grande, o que torna as viagens de negócios mais inseguras e menos atraentes do ponto de vista do risco mas que, por outro lado, consegue emprestar uma atração permanente pela aventura, pelo tanto ou quase tudo que ainda há ali por fazer e pelos desafios a que somos acometidos em cada momento, que nos emprestam dilemas, seja na forma como empenhamos a razão, ou na capacidade de adaptação a uma realidade que temos que entender ser diferente da nossa para o bem e para o mal. Só partindo dessa certeza e da capacidade de lidarmos com o que nos frustra é que conseguimos partir para exponenciar o que por ali é tão bom e tão especial e de relevar o que não funciona e de aproveitar a experiência sem filtros ou ideias pré concebidas.
Um exemplo de tudo o que enumerei ficou bem demonstrado numa das minhas idas ao Sul da ilha de São Tomé. Decidimos ir logo a seguir ao almoço uma vez que imperativos profissionais nos impediram de ir mais cedo. A ideia seria mapear áreas de interesse e praias deslumbrantes e por isso fomos parando em “várias capelinhas” para tirar notas, fotografias, recolher algum material, conhecer os proprietários e outros dados que pudessem ser relevantes. O problema é que a estrada que vai desde a capital do País até à zona mais turística da ilha é tudo menos uma estrada, sobretudo a partir de meio caminho, em que pedras, terra, lama e muitas outras adversidades nos fazem percorrer menos de 60 kms em mais de 2 horas. À medida que as horas foram passando e já no regresso, a visibilidade foi ficando cada vez mais difícil, porque andam pessoas na estrada a pé, porque os motoqueiros ( parte deles ) não têm luzes e usam a lanterna do telemóvel para alumiar o caminho, ou pelas próprias características do traçado. Numa dessas zonas mais acidentadas do percurso acabámos por embater numa pedra que nos partiu algumas peças o que nos impediu de prosseguir caminho. Uma vez que não existem reboques em São Tomé ligámos para a empresa que nos alugou a viatura que logo se prontificou a nos vir acudir. Só que entre o prontificar e o vir efetivamente foram 3 horas, onde ficámos, já de noite, numa zona em que a estrada estava um pouco melhor mas com densa vegetação e parca visibilidade. Olhávamos à nossa volta e só víamos floresta e barulhos de animais mas os únicos que de vez em quando se lançavam a nós afoitos e nos davam umas bicadas eram uns caranguejos que por lá andavam.
Todas, repito, todas as pessoas que passaram, de carro, de mota ou a pé, pararam para perguntar se precisávamos de ajuda. Uma carrinha sugeriu inclusive esticar uma corda para nos puxar até à cidade e dois motoqueiros decidiram fazer-nos companhia e ficaram a discutir política local com as duas pessoas que me acompanhavam, ali mesmo, no meio da estrada, só arrancando depois de sermos assistidos. O que mostra realmente a alma destas pessoas que vivem “leve leve” mas que têm uma capacidade de entre ajuda e de sentido comunitário em que têm que se valer uns dos outros para muitas das vezes atingirem os seus objectivos.
Outra situação dois dias depois, na zona mais central da ilha. Decidimos aproveitar o feriado para ir conhecer uma cidade chamada Trindade, muito limpa e com uma população tão jovem que parecia que estávamos na “Terra do Nunca” do Peter Pan. Depois de subirmos até Monte Café e de visitarmos a casa onde nasceu Almada Negreiros (mais propriamente na Roça Saudade) fomos até à Cascata de São Nicolau, mais uma vez por uma estrada toda enlameada, cheia de peripécias. Escaldados com o que se havia sucedido dois dias antes fomos bem devagar e extremamente atentos ao percurso, até porque tínhamos tempo e queríamos aproveitar para dar um mergulho. Chegados ao local começámos a ouvir um barulho estranho e o carro foi-se abaixo. Tento colocá-lo a trabalhar uma e duas vezes, nada. É quando passa um motoqueiro, que estava a fazer um serviço de transporte para uma pessoa (sim, lá o mais parecido com táxis são as motas que transportam pessoas) a quem pedimos que nos ajudasse a perceber o que se passava com o carro. Bastou abrir a tampa do depósito para nos dizer que tínhamos ficado sem gasolina. Ofereceu-se então para ir com um de nós até à cidade mais próxima buscar 5 litros e assim foi que nos safámos de boa.
Isto para dizer que nas várias dificuldades que encontrámos e encontramos sempre que vamos a São Tomé elas rapidamente se transformam em oportunidades de conhecer gente diferente, pessoas boas, prontas para ajudar e que têm pelos portugueses muito carinho e respeito. Esta fotografia é representativa da forma como se consegue viver com pouco e ser feliz. São jovens que andam nas ruas, fazem as suas festas, convivem com os vizinhos e têm esse sentido de comunidade muito apurado. Um sentido que cada vez mais se vai perdendo, deixando que o egoísmo se transforme em solidão e se sobreponha. Numa altura particularmente difícil em que saímos de uma pandemia que nos estrangulou as relações pessoais durante dois anos para nos entregarem logo de seguida uma guerra que nos vai seguramente causar muitos problemas, é bom encontrar um espaço perdido no mar onde as pessoas vivem o dia a dia a sorrir, onde parece que o tempo não passa e o sentimento é sempre de acolhimento, da pessoa que passa e que fica. Leve leve não tem que ser sempre devagar, pode significar pressa em ser feliz…