A Guerra País

Advogadas luso-ucranianas entre o apoio aos refugiados e a angústia dos dias da guerra

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Foto EPA

As luso-ucranianas Kateryna Ilechko e Marta Ivanchyshyn estão entre os mais de 1.000 advogados que se voluntariaram para dar assistência jurídica aos cidadãos ucranianos e, além da vontade de ajudar, partilham a angústia de ver o país de origem em guerra.

Em Portugal desde 2012, Kateryna Ilechko estudou Direito na Universidade Nacional Taras Shevchenko, a maior de Kiev, e prosseguiu depois os estudos em território português. Fez o estágio da Ordem dos Advogados e especializou-se no ano passado na área dos 'vistos gold', na qual se cruzou com muitos clientes russos.

Uma situação que com a invasão russa da Ucrânia lhe causou desconforto, mas entretanto disse que já consegue lidar com as emoções.

"A maior parte dos meus clientes russos são compreensivos e não apoiam esta situação [invasão da Ucrânia], alguns até tentam espalhar informação verídica e convencer as pessoas de que aquilo que se passa é um terror e que esta guerra tem de ser parada", contou a advogada luso-ucraniana à agência Lusa.

Na capital, Kiev, tem ainda uma avó, de 85 anos, que vive sozinha e com quem fala "10 vezes" por dia.

"É autónoma, mas precisa de alguém que lhe leve alimentos. Tinha uma pessoa que ia lá ajudar, mas deixou a cidade. Tenho agora outra amiga que permanece na cidade e que está a ajudar", disse, apesar de não ser a sua única preocupação: o marido, igualmente luso-ucraniano, ainda não descartou o cenário de voltar ao país para combater as tropas russas.

"Ele pensa nisso. Sei que não vou conseguir influenciar muito, porque a decisão é sempre difícil. Temos um filho com três anos. Se ele decidir ir, vou compreender", afirmou Kateryna Ilechko, que centra agora a sua atividade profissional no apoio a refugiados através da associação Ukranian Refugees UA-PT.

Já Marta Ivanchyshyn, num português quase sem vestígios de pronúncia ucraniana, revelou à Lusa que deixou Lviv em 2004, quando ainda era criança, mas onde tem primos, tios e a avó.

Aos 29 anos, integra uma sociedade de advogados de Lisboa, na qual se focou nas áreas do imobiliário e da imigração, lidando, entre outros aspetos, com o estatuto de refugiado, que, hoje, se torna fundamental para ajudar cidadãos ucranianos com pedidos de asilo ou procura de casa.

"Estamos a receber muitos pedidos de ajuda, nomeadamente através da plataforma digital We Help Ukraine, em que disponibilizámos mais de 1000 horas 'pro bono'. Estamos a tentar responder a todos os pedidos", disse, transmitindo aquilo que os familiares lhe disseram: "Lviv e as zonas na fronteira com a Polónia são mais seguras, mas têm-se ouvido muito as sirenes e os avisos de ataque. O país está em guerra e não há uma zona segura".

Foi já em Portugal que assistiu ao início das hostilidades na região de Donbass e na Crimeia, em 2014, e para esta advogada luso-ucraniana, "o país nunca mais foi o mesmo", com uma presença militar que se tornou frequente nas ruas.

"Penso que toda a gente tinha um pequeno pressentimento de que algo ia acontecer, mas ninguém acreditava que fosse acontecer assim tão rápido. Como cresci em Portugal, é difícil ver o meu país neste tipo de circunstâncias", acrescentou.

A advogada disse ainda sentiu o alívio de já ter visto chegar na quinta-feira uma prima e um afilhado: "A família que ficou lá tem uma situação mais complicada, porque são pessoas mais velhas e não querem abandonar o país".

Na mente de Kateryna Ilechko, o Presidente russo, Vladimir Putin, preparou-se durante "anos e anos" para a guerra, mas apesar disso, advogada reafirmou a sua convicção num triunfo ucraniano.

"Conhecendo o meu povo, 90% dos ucranianos acreditam que vão vencer a guerra. O desfecho é único: a saída de Putin e o respeito pela liberdade da Ucrânia", defendeu, elogiando o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

"O nosso atual presidente não era a minha escolha, mas estou a admirar a sua força. O que o está a ajudar é não ser um político de carreira, se fosse um político já tinha fugido", disse.

Os elogios ao chefe de Estado ucraniano são comungados por Marta Ivanchyshyn, que também admitiu que antes do conflito não teria o mesmo discurso sobre a sua liderança. "Nunca pensei que o atual presidente tivesse tanta força e tanta coragem como tem demonstrado. Hoje considero-o um herói".

A advogada deixou um desejo para a Ucrânia e que é, também, um aviso para o resto do mundo: "Que acabe o conflito o mais rapidamente possível e que a Ucrânia volte a ser o país pacífico e independente que era. Se esta guerra não for travada, poderemos estar à beira de um colapso mundial que pode levar a uma terceira guerra mundial".

A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar com três frentes na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamentos em várias cidades. As autoridades de Kiev contabilizaram, até ao momento, mais de 2.000 civis mortos, incluindo crianças, e, segundo a ONU, os ataques já provocaram mais de um milhão de refugiados na Polónia, Hungria, Moldova e Roménia, entre outros países.