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A lição esquecida de Guernica

Quem conhece a cidade de Guernica fica admirado pela sua pequenez. Na verdade, esta povoação menor que Machico, fica num pequeno vale plano entre duas montanhas. Corre nele uma linha férrea onde os comboios ligam Bilbao, a sul, com a costa do golfo da Biscaia, a norte. A povoação distribui-se entre os dois lados desta linha. A nascente, a cidade mais nova e industrial, a poente a cidade medieval. Ambas cercadas por um verde inebriante. É um microponto na vastidão do reino de Espanha.

A 26 de abril de 1937 era dia de mercado. Comerciantes e agricultores convergiam na cidade. Um nervoso sentia-se já no ar. A aproximação das forças nacionalistas era esperada. Pela tarde a aviação nazi em Espanha, a Legião Condor, bombardeou a cidade. Os bombardeiros alinharam-se com a linha férrea e varreram a povoação. É tido como a primeira cidade destruída pelo poder aéreo, numa intenção de destruição sistemática da população civil, visto que não havia nenhum alvo militar efetivo. Foi tido como uma experiência técnica pelo seu estratega, o marechal Wolfram von Richthofen. Foi a primeira vez que uma frota dos novos bombardeiros pesados alemães atacou uma cidade com o objetivo de a destruir por completo. Simplesmente, a primeira de muitas.

A pequenez do vilarejo ganhou dimensão histórica. Nela, Hitler testou a tática futura. Com ela, a guerra ganhou uma nova dimensão pútrida. A ilustração do terror tecnológico. E quem melhor que Pablo Picasso para o ilustrar.

Fá-lo com um magistral quadro. O mesmo que teve de esperar quarenta anos pela morte de Francisco Franco para entrar em Espanha. Está exposto no Museu rainha Sofia. Cinzento monocromático. Gigante. Sete metros de abstração da dor, da morte, da guerra. Retrata animais, pessoas e edifícios atingidos pelas bombas. Um touro mostra-se assustado. Uma mulher chorando o filho morto nos braços, mais mulheres gritam fugindo do fogo, saltando para as janelas. Um soldado caído, segura uma espada e uma flor. Um braço decepado pela bomba. Acima, um cavalo do agressor, ferido. Não há vencedores, só vítimas. Depreende-se uma sequência narrativa na obra. Geométrico, neoclássico, rude, enigmático, aditivo. É o desenho abstrato da guerra.

Uma cópia em mural está na cidade velha de Guernica. Quem o contempla, sente o lugar. Quem imagina esse acontecimento, inquieta-se. Quem revive a sua história, vê a ilustração do pior que há guardado dentro de nós. É uma lição sobre o que nunca fazer.

Até quando vamo-nos permitir esquecer a sua lição?