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A Ucrânia e uma nova estratégia Europeia

Embora a Rússia e a Ucrânia sejam relativamente pequenas em termos de produção global, são grandes produtores e exportadores de alimentos essenciais, de minerais e energia. A guerra já começa a ter choques económicos e financeiros consideráveis, principalmente nos mercados de commodities, com subidas consideráveis nos preços do petróleo, gás e trigo.

Parece consensual entre os principais analistas, que os movimentos nos preços das commodities e nos mercados financeiros verificados desde o início da guerra poderiam, se prolongados no tempo, reduzir o crescimento do PIB global em mais de 1 ponto percentual já este ano, com uma profunda recessão na Rússia, e aumentar a inflação global em aproximadamente 2,5 pontos percentuais.

Um apoio fiscal bem projectado e cuidadosamente direcionado poderia reduzir o impacto negativo sobre o crescimento com apenas um pequeno impulso extra à inflação. Em alguns países, isso pode ser financiado por receitas fiscais extraordinárias que resultem desse mesmo impacto na subida dos preços das matérias primas. Várias simulações efetuadas, indicam que um aumento bem direcionado nos gastos públicos de 0,5% do PIB podem compensar cerca de metade do declínio estimado na produção.

Os países e famílias com baixos rendimentos gastam a maior parte do rendimento disponível em energia e alimentação. Em Portugal, o governo já começou a introduzir uma série de medidas para compensar os efeitos do aumento dos preços da energia já antes do início da guerra, mas estas medidas têm de ser agora reforçadas de uma forma equitativa, o que do meu ponto de vista, não está a acontecer.

Para manter os custos suportáveis e evitar distorcer os preços, o apoio adicional para compensar os novos aumentos dos preços da energia deve ser bem direcionado e temporário. A redução nos impostos e estipulação de preços limite, reduzem diretamente o custo da energia, mas beneficiam tanto as famílias de maiores rendimentos, como as de menores rendimentos. A solução adoptada recentemente pelo governo Português segue esta premissa e não contempla um escalonamento desse apoio, prejudicando uma classe média já muito afetada por políticas fiscais mal direcionadas. As transferências de rendimento podem ser melhor direcionadas para se verificarem efeitos multiplicadores mais expressivos se forem focadas em famílias com rendimentos médios, sendo que têm de ser rapidamente implementadas.

Diante de um novo choque negativo de duração e magnitude incertas, a política monetária do BCE irá com toda a certeza continuar focada em garantir expectativas de inflação bem ancoradas. A maioria dos bancos centrais deve continuar com os seus planos pré-guerra, com exceção das economias mais afetadas, onde pode ser necessário fazer uma pausa para avaliar plenamente as consequências da crise.

No curto prazo, a Europa vai precisar amortecer o golpe nos preços da energia, diversificar as suas fontes e aumentar a eficiência. Portugal pode ter um papel fundamental nesse processo, se souber utilizar a sua localização geográfica e canalizar recursos para esse fim. A questão do trigo e óleos alimentares, é urgente que os países da OCDE comecem a aumentar a produção, e a utilizar uma lógica protecionista no setor e de apoio à logística.

Esta guerra sublinhou a importância da necessidade de minimizar a dependência energética da Europa em relação à Rússia. A nova fórmula deve considerar a reorganização do mercado com o objetivo de garantir segurança energética e criar incentivos para a transição verde de uma forma reforçada. Portugal poderá ter um papel geoestratégico fundamental, se souber capitalizar a sua localização na nova formulação que se começa agora a desenhar.