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O regresso da História e a nova Europa

A guerra vai entrar numa nova fase, mas a trégua trará outros problemas. Aponto apenas três. O primeiro: a Rússia perdeu a (sua) guerra, mas é certo que a Ucrânia não pode ganhá-la. Nas próximas semanas (meses?) a grande questão será encontrar uma solução adequada para tal enigma.

No séc. XVIII, Burke lembrou que uma nação é constituída não só pelos vivos, mas também pelos seus mortos e por aqueles que hão de nascer. Há muito que a Ucrânia o sabe. Agora vive o que Kissinger uma vez disse: “it may be dangerous to be America’s enemy, but to be America’s friend is fatal”.

Será possível evitar que parte do espaço ucraniano se transforme numa “Faixa de Gaza” em modalidade europeia? Ver-se-á “finlandizada” e aceitará carregar o peso da geografia? E até onde permitirá a China (o elemento decisivo a partir de agora) que a Rússia avance?

Isto e a qualidade da(s) solução(ões) que se encontrar(em) para o Donbass e para o território entre a Crimeia e Odessa definirá o futuro próximo. Assim como a capacidade de recuperar algumas premissas já estabelecidas nos moribundos Acordos de Minsk (2015).

A Europa - algo que está muito para além da UE - mudou e mesmo a UE, como até hoje a conhecemos, acabou. Assistimos ao fim de uma época. É este o segundo problema: tem muito de incerto o que aí vem, mas para o que aí vem só a Política (com o auxílio da Diplomacia) nos poderá (aos europeus) remediar. A crise actual mostra-nos que, a este nível (das Relações e dos Sistemas Internacionais) a Economia se revelou incapaz (até porque por cada problema que resolveu… criou pelo menos outros dois).

A política terá de sobrepor-se à tecnocracia. Resta é saber se a elite política europeia (e, já agora, a portuguesa) terá gente capaz para isso (e com a força suficiente para agir sem hesitações).

Toda uma geração de políticos europeus (alemães desde logo), com a antiga chanceler Merkel à cabeça - esteve crente na conversão (e pacificação) da Rússia pela via económica, entendendo-a como factor determinante. Enganaram-se,

Mas à Alemanha se deve juntar, a diferentes níveis, a Itália, a Áustria e a França, assim como os países bálticos e nórdicos e, quiçá, em alguns sectores, a Espanha e Portugal. Da banqueira Suíça e do Luxemburgo é melhor nem falar.

A História tem destas ironias e Putin aprendeu com ambas. O seu plano - de há anos - passou por contornar (senão mesmo inverter) a armadilha em que no passado caíram czares (desde Alexandre I) e até Estaline: basearem as suas políticas de defesa, segurança e expansão (que sempre existiram e que levaram, por exemplo, à pulverização da Polónia – agora de novo preocupada - ou à recente criação de uma “cortina de ferro”) num entendimento tenso, sustentado em vagas declarações de princípios, de temor e em pedaços de papel assinados. A História mostra que em tempo de guerra tais “acordos” pouco valem (e nos sécs. XIX e XX a Rússia acabou sempre invadida).

Putin inverteu este paradigma e desenvolveu um verdadeiro lobbismo de Estado, baseado numa ditadura diferente: apoiada por oligarcas, quase todos estabelecidos fora, mas com fortes ligações a ele.

Pelo caminho, para além dos sinais que foi deixando (coadjuvado por oficiais de alta patente russos), também não foi parco a oferecer substanciais mordomias a políticos ocidentais (o antigo chanceler alemão Schröder é o mais referido, pelas ligações à empresa gestora dos Nordstream; à Rosneft, a maior petrolífera russa; e à Gazprom, dona de 51% dos Nodstream). Mas existem outros cavalos de troia, embora alguns compelidos (desde 2014) a se demitirem de empresas russas. Para se descobrirem mais, basta que se mexa em algumas (identificadas) gamelas (nos países atrás mencionados). Haverá capacidade para renovar tal classe política?

O terceiro problema, decorrente dos anteriores: as evidentes insuficiências e repercussões na área energética. Virá aí uma renovada época dedicada ao nuclear, abrir-se-ão às portas às energias alternativas ou haverá alguma 3ª via? Hoje tudo parece indicar que só a primeira poderá fornecer resultados imediatos (e suficientes para suprir as necessidades europeias). A resposta que se der marcará as próximas gerações.

Como se vão inserir a Península Ibérica e o espaço atlântico contíguo nesta nova época e como co(existirão) com as novas exigências? Isso já é outra História…