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A curva achatada

Ou como duas semanas se transformaram em dois anos… Porque foi o que nos disseram quando nos obrigaram a fechar a empresa, em Março de 2020: - duas semanitas, porque a curva tem de achatar e depois voltamos ao normal.

Este foi só um dos muitos quase imperceptíveis erros de cálculo na gestão da pandemia, tão discretos que até foi reforçada a confiança nestes decisores políticos. Normais e legítimos, esses erros? Claro que sim, em face do quadro que nos apresentaram, com as ciências a dizerem tudo e o seu contrário no espaço de horas, mesmo sendo estranha a falta de admissão de responsabilidade perante decisões tomadas, algumas das quais a raiar o absurdo.

A verdade é que, nem por remorso se alguém veio assumir erros, trabalhando ao invés uma espécie de amnésia colectiva com resultados evidentes. E, à primeira verdadeira oportunidade de redenção – a bazuca europeia - qual foi a opção? Para mim, nesse momento, deixou de haver desculpas! Esta gente não tem mesmo remédio!

Falta, portanto, prestar homenagem a quem verdadeiramente aguentou e sofreu nestes dois anos. E que tem ainda de lidar com as consequências desta irresponsabilidade. E falarei pela realidade que vivo: - os meus colegas de trabalho, os nossos fornecedores e os sócios da empresa.

Por muito já passámos. Sofremos juntos e juntos tivemos a capacidade de ir ultrapassando dificuldades, sem cair na tentação, muitas vezes fácil, de criar novas dificuldades ou de nos queixarmos do que tínhamos de suportar. Lidámos com anúncios vazios de conteúdo, com decisões adiadas, algumas das quais sine die e com um dia-a-dia penoso, quase sem trabalho.

Não me arrependo, no período mais difícil e quando cheguei a temer pelo nosso futuro, da decisão tomada, que ainda hoje sinto ter sido a mais acertada: - ou vamos todos ou não vai ninguém! Quem estava ficou, mesmo aqueles que se encontravam a contrato, porque também é isto que deve ser uma empresa.

E efectivamente aguentámos, sabe Deus (e os sócios) como… Faltaram as ajudas, foram desadequadas na dimensão e vieram fora de tempo. Hoje já pagamos juros de empréstimos a que tivemos de socorrer-nos e que, sempre nos venderam essa ideia, podíamos contar fossem considerados a fundo perdido, que nos impedem de aproveitar o quadro comunitário de apoio de outra forma. As poupanças foram-se e a capacidade de endividamento atingiu o limite.

Às vezes custa-me acreditar na forma como fomos e somos tratados. Exemplo? Deixo-vos um, porque não tenho caracteres para mais: - Mandam-nos confinar para casa, mesmo sem qualquer justificação e as baixas são pagas a desoras. E a empresa fica, de repente, sem colaboradores em número suficiente, à mesma velocidade com que ficava sem clientes…

No meio disto, contámos com a ajuda dos que nos fornecem bens e serviços, que aguentaram situações especialmente complicadas para as suas tesourarias, mas dando-nos a possibilidade de ter futuro.

Dois anos passaram e de curva, nem a da linha da pança se vejo achatar, embora aí por responsabilidade própria. Mas já vemos uma luz e alguma normalidade.

Por terem acreditado. Por terem confiado. Por terem partilhado a dor de ver vencimentos cortados. Por nunca terem desistido. Por ainda cá estarem. Por tudo isto, permaneço agradecido pelo privilégio que tem sido trabalhar convosco. Obrigado!