Marcelices dispensáveis
O país não dorme enquanto passeia nos jardins de Belém à espera que surjam jornalistas
Da semana que passa sobram pelo menos três momentos em que Marcelo Rebelo de Sousa se pôs a jeito, mesmo que o objectivo de sempre fosse ser o centro das atenções, o único possível num País que demora dois meses para empossar um governo, que assiste sentado a ajustes de contas entre forças de segurança e que é incapaz de produzir soluções para dramas recorrentes.
O primeiro resulta da transformação em “acolhimento” da manifesta contestação da Região ao regime transitório do subsídio social de mobilidade, que o governo da República aprovou unilateralmente e que mantém os residentes a pagar a totalidade das viagens aéreas. Como pode algo que motiva pareceres que rejeitam e repudiam alterações, num processo que é considerado um “retrocesso”, legitimar um diploma?
Na Madeira ninguém quer comprar guerras com o Presidente dos afectos. No esboço de divergência, o PSD-M parlamentar optou por desmentir a informação jornalística revelada pelo DIÁRIO, ignorando de forma categórica o texto presidencial que acompanha a promulgação do decreto. Até a DECO foi bem mais eloquente, ao exigir a atribuição automática do subsídio de mobilidade.
Sobre esta matéria, enquanto cidadãos que honram os seus compromissos para com a República não podemos tolerar que uma lei aprovada por unanimidade, tanto na Assembleia Legislativa da Madeira, como na Assembleia da República, acabe no lixo. A solução não pode ficar entre ombros encolhidos e cumplicidades abomináveis, ao abrigo do contencioso permanente. Esta gente tem que ser responsabilizada pelos actos que lesam os contribuintes. Faça-se justiça, se não for pedir muito.
O segundo decorre da ridícula tentativa de esvaziar o momento solene do anúncio da constituição da equipa governativa com uma encenação irrelevante, motivada pelas habituais fugas de informação. Marcelo Rebelo de Sousa amuou por não ter brilhado à conta do anúncio formal do Governo da República. Queria ser o ‘speaker’ de serviço mas a ‘voz off’ das fontes trocou-lhe as voltas. Fica-lhe mal esse enfado de “saber pela comunicação social”. Vinda de quem vem, de pessoa habituada a usar tamanho expediente, a irritação soa mais a marcação de terreno num cenário de maioria absoluta do que um grave incidente institucional, embora não deixe de ser um dispensável número de circo a nove meses do Natal.
O terceiro resulta da vaga manifestação de tristeza e pesar pela morte do agente da PSP Fábio Guerra, mesmo que assinalando as “circunstâncias trágicas” em que tal aconteceu. Fica-lhe bem apresentar pessoalmente condolências à família e enaltecer o agente de modo a que seja recordado pela sua abnegação, coragem e dedicação ao serviço do próximo e da segurança pública. Só que o momento exigia mais do que a trivial formalidade fúnebre. Pedia acção contundente, que servisse de emenda e abrisse caminho a novos comportamentos e a gestos nobres. Pedia porventura um discurso ao País, a exemplo do que fez Gouveia e Melo. Não podemos fingir que a crueldade que matou Fábio é um acto selvagem isolado do manifesto e preocupante “desprezo pela vida alheia”.