Gouveia e Melo arrasa comportamentos de ódio de fuzileiros e traça 'linhas vermelhas' na Marinha
O Chefe de Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo, está em destaque na imprensa pelas duras palavras para com os fuzileiros, a quem se dirigiu ontem, após dois dos seus elementos terem estado envolvidos no assassinato de um cidadão português, que por acaso era agente da PSP. Para Gouveia e Melo nada justifica essa bárbara acção.
De acordo com as notícias publicadas nos jornais nacionais, no caso o DN que aqui citamos, a alocução de Gouveia e Melo, filmada e partilhada na Intranet da Marinha, decorreu na Covilhã ontem à noite e no mesmo dia em que foi a sepultar o agente Fábio Guerra, juntou o corpo de fuzileiros as ‘linhas vermelhas’ para servir o País na Marinha.
“Duro, o Almirante Gouveia e Melo não escondeu a sua profunda desilusão por ver militares de elite como são os fuzileiros envolvidos neste homicídio”, diz o artigo.
"Os acontecimentos do último sábado já mancharam as nossas fardas, independentemente do que vier a ser apurado. O ataque selvático, desproporcional e despropositado não pode ter desculpas e justificações nos nossos valores, pois fere o nosso juramento de defender a nossa Pátria. O agente Fábio Guerra era a nossa pátria, a PSP e as Forças de Segurança são a nossa Pátria e nela todos os nossos cidadãos", disse o CEMA.
Gouveia e Melo, que disse que tem "os fuzileiros como a força de elite da Marinha", com quem trabalhou "braço com braço nas operações de inserção e exfiltração do Destacamento de Ações Especiais (DAE) enquanto submarinista", com quem operou "com o pelotão de abordagem inúmeras vezes enquanto comandante da Vasco da Gama", com quem esteve "nos terríveis acontecimentos de 2017 e em Pedrógão", a quem viu "actuar em situações de catástrofe, ou no simples apoio às populações", a quem reconhece "profissionalismo, qualidades militares, generosidade e dedicação". Por isso não quis acreditar ao "ver fuzileiros envolvidos em desacatos e em rixas de rua", o que "não demonstra qualquer tipo de coragem militar, mas sim fraqueza, falta de autodomínio, e uma necessidade de afirmação fútil e sem sentido", atacou.
O almirante que coordenou a campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal e promovido recentemente ao cargo de Chefe de Estado-Maior da Armada, afirmou: "Já ouvi vezes demais que não se pode ter cordeiros em casa e lobos na selva, eu digo-vos enquanto comandante da Marinha que se não conseguirem ser isso mesmo, lobos na selva, mas cordeiros em casa, então não passamos de um bando violento, sem ética e valores militares, sem o verdadeiro domínio de nós próprios e se assim for não merecemos a farda que envergamos, nem os 400 anos de história dos Fuzileiros."
Apelou ainda a que sejam "corajosos e firmes no mar, nas selvas, nos desertos, nas praias, quando o inimigo nos flagela, quando tudo nos parece perdido e reagimos, mas não em pistas de discotecas, em rixas de rua, em disputas de gangues", lamenta. "Quando vejo alguém a pontapear um ser caído no chão, vejo um inimigo de todos nós, os seres decentes, vejo um selvagem, vejo o ódio materializado e cego, vejo acima de tudo um verdadeiro covarde", acusou.
E recordou que enquanto militares "não somos movidos pelo ódio, pela raiva, mas por amor a algo maior que os nossos próprios seres, algo tão superior que estamos sempre prontos a sacrificar-nos por isso. Nestes valores militares não há espaço para o desprezo pela vida alheia, nem pela indiferença e sofrimento alheio, ou para qualquer tipo de crueldade”.
Dizendo estar “profundamente triste”, recordou ainda quando teve de contactar a família de Fábio Guerra. “Quando telefonei à família para lhes dar os meus pêsames não sabia o que dizer, não sabia como justificar, como explicar, só uma profunda tristeza e um nó na garganta que me sufocava as palavras. Como explicar a aridez desta morte sem sentido? Como explicar que nos eventos que levaram a isto estavam dois homens sob o meu comando? Não consegui dizer nada mais que prometer justiça e lutar para que não voltasse a acontecer. Teria sido muito mais fácil e consolador poder ter dito que os meus homens tinham defendido o agente caído na rua, não permitindo que alguém o tivesse agredido cobardemente, já inanimado", disse.
Concluiu, traçando as ‘linhas vermelhas’ para se estar na Marinha: "Não quero arruaceiros na Marinha; não quero bravatas fúteis, mas verdadeira coragem, física e moral; não quero militares sem valores, sem verdadeira dedicação à Pátria; não quero militares que não percebam que na Selva temos que ser Lobos, mas em casa cordeiros, pois isso é a verdadeira marca de autodomínio, autocontrole e de confiança dos outros em nós. Nós somos os guerreiros da Luz e não das trevas! Quem não agir e sentir isto que parta e nos deixe honrar a nossa farda, o nosso legado de mais de 700 anos de Marinha e de 400 de Fuzileiros".
No final, conta-se, foi guardado um minuto de silêncio em honra do agente da PSP.