Crónicas

Um Escândalo!

Semana após semana, o avanço imparável do desastre e da morte: 30 dias de guerra. Por cada dia mais, a paz perde terreno e a desumanidade avança. É certo que vai triunfando, aqui e ali, toda a marcha solidária da ajuda e acolhimento dos refugiados. Mas esse pequeno triunfo da vida e da fraternidade não chega para aplacar a desmesura do trote imparável do mal. E, na verdade, a reiteração mediática da guerra, todos os dias, a toda a hora, com as imagens repetidas e mil vezes editadas do caos sangrento da Ucrânia — 30 dias e trinta noites de desprezo pelos supostos valores da “civilização cristã ocidental”, que tínhamos por certos e duradouros —, essa repetição infinita da espiral de violência acabará por levar-nos, mais cedo ou mais tarde, ao torpor da indiferença, à preguiça da atenção e da revolta, ao autoconsolo por estarmos tão distantes e por, afinal, nada podermos fazer...

Não existe algo como “o destino” — dos indivíduos, ou das nações. Existir é aprender a ser — fazendo escolhas. A guerra é uma escolha; a paz é uma escolha. As decisões humanas traduzem escolhas morais. O “fado” nada impõe; só a consciência sela o compromisso. A guerra não resulta de qualquer destino histórico ou metafísico: é sempre possível fazer escolhas, mudar o rumo, romper cadeias, começar de novo. É também por isso que é sempre possível acordarmos da letargia e deixar que alguma reflexão e consciência crítica nos coloquem, de forma clara, bem do lado da vida. É nesse caminho que somos alertados pelas palavras do Papa Francisco, certamente o único líder mundial que, no amorfismo ocidental e para lá de cálculos e ideologias, consegue ainda ser ouvido sem preconceitos, porque sempre defende o homem e não hesita em denunciar a injustiça e a maldade, dando um testemunho de humildade e de verdade que colocam de novo na luz a dignidade da pessoa, nos tornando mais próximas a confiança e a esperança: acreditar ainda e sempre na utopia da paz, só possível num mundo mais justo e fraterno.

Anunciar passa por denunciar. No mundo real, a política dos interesses sobrepõe-se à boa consciência dos fóruns mundiais, com as suas proclamações ambíguas e os seus compromissos obscuros. É, pois, num contexto de negatividade e de grande incerteza quanto ao futuro, que Francisco não hesita em denunciar o “escândalo”: os enormes gastos com armamento, quando a luta devia ser “contra a fome e a sede, doenças e epidemias, a pobreza e a escravidão”. As armas levam à guerra, e a guerra é a negação da verdadeira humanidade. Voltámos, na velha Europa, ao “velho vício da guerra”, quando as forças e os recursos deviam estar unidos “para combater as verdadeiras batalhas da civilização”. O Papa tem renovado, por conseguinte, sucessivos apelos à paz, denunciando a “violenta agressão contra a Ucrânia, um massacre em que se repetem todos os dias matanças e atrocidades”. Continua, pois, sem parar, o “rio de sangue e lágrimas”: famílias, velhos, grávidas, crianças, todo o impensável cortejo da fragilidade e do sofrimento dos que estão a sucumbir debaixo das bombas de uma guerra absurda! Por isso, denuncia o Papa, “a guerra é também um sacrilégio, porque vai contra a sacralidade da vida humana, especialmente a vida humana indefesa, que deve ser respeitada e protegida, não eliminada, e que vem antes de qualquer estratégia! Não esqueçamos: é uma crueldade, desumana e sacrílega”.