Crónicas

Mas…?

Porque sou homem de hábitos, fico contente que o PS-M continue a ser o saco de gatos de sempre

1. Livro: É normal, nos dias que correm, acusar muitos jornalistas de terem uma agenda. Até pode ser verdade, para alguns. O que é torto, anda por todo o lado. Anna Politkovskaya, não o negava. Tinha uma agenda onde a democracia e a liberdade, o combate à corrupção, a transparência, estavam escritas em letras garrafais. Perseguiu, sem piedade, a “família” que se formou ao redor de Ieltsin, e os oligarcas que Putin ajudou a criar. “A Rússia de Putin” é o seu último livro, onde escreve sobre os quatro primeiros anos do governo do ditador. Não escreveu mais. Foi assassinada, com cinco tiros de pistola, em 7 de Outubro de 2006, em Moscovo, no prédio onde morava.

2. Não há como não tomar partido.

Um país foi invadido pelo outro. O invasor criou uma guerra sem sentido, mata civis, destrói objectivos civis, arrasa cidades só porque sim, comete crimes contra a humanidade.

O invasor é um ditador, um autocrata. O invadido luta pela democracia e pela liberdade. Qual é a parte que alguns ainda não perceberam?

Putin decide tudo sozinho? Ouve os outros? Dá-lhes crédito? Dizem-lhe o que não quer ouvir? Está convicto que sabe tudo? Vê conspirações em todo o lado? São poucos os que lhe têm acesso. Como todos os ditadores, tem medo de que outros lhe queiram a função. O que lhe chega, é o que quer ouvir. Mais nada. É assim, com os déspotas.

Os acontecimentos recentes, mostram uma Rússia liderada por alguém que tem mais ganância do que recursos. Foi quase sempre assim, ao longo da história. O país é grande demais, tem muitas nacionalidades, culturas diferentes com diferentes ambições. Se, ao longo da história, teve alguns grandes momentos (a expansão de Ivan, o reinado de Pedro, a vitória de Estaline sobre Hitler), pagou por eles um preço enorme. Foi sempre uma potência com fraquezas evidentes.

Para os que insistem em vir com a história da desnazificação da Ucrânia, e aos agarrados ao “mas”, em vez de tentarem sossegar a consciência com idiotices, que percam um bocadinho do seu tempo a “googlar” e vão ver qual a importância de Ivan Ilyin, o pai do cristianismo fascista russo de que Putin é seguidor, quem é Aleksandr Dugin no círculo pessoal de Putin, Konstantin Malofeev e o que representa, o National Bolshevik Rodina, o Continental Unity, criado pelo criminoso de guerra sérvio Vojislav Šešelj, que tem combatido no Donbass no lado russo, Kadirov e os seus chechenos, o Wagner Group e toda a simbologia nazi que usa, o Russian Imperial Movement de Denis Valliullovich Gariev, ou Marc de Cacqueray-Valménier chefe dos neo-nazis do Zouaves Paris, e por onde tem andado, ou quem é aquela rapaziada síria mandada pelo Assad e, de passagem, as ligações e financiamentos de Putin à extrema-direita europeia, muita dela parlamentar.

O que não falta, junto à Putin, é uma mistura ecléctica de fascistas, nazistas, nativistas, tribalistas, racistas, antissemitas e estalinistas. Têm lugar na Duma e tudo, enquanto na Verkhovna Rada, de Kyiv, não há deputados de extrema-direita, nem adeptos de Estaline.

3. Tem-se falado muito do que o regime de Putin exige à Ucrânia, e não se refere o que devia ser exigido ao Kremlin. A começar pela desputinização, que limpasse o Estado mafioso julgando todos os crimes cometidos; segue-se a descomunização, acabando com o “centralismo” à moda comunista (o PCP até lhe chama “democrático”) e reconhecendo os direitos de todos os não-russos (cerca de 20% da população) de seguirem a sua cultura e língua, descolonizando e descentralizando, concedendo liberdade às repúblicas que constituem a federação; desmilitarização, por razões óbvias, terminando com a enorme corrupção, que grassa no complexo militar-industrial, e acertar que o máximo do orçamento de estado aplicado à defesa não ultrapasse os 2%; desnuclearização, que faça parte de um grande acordo global que, progressivamente, acabe com as armas nucleares no mundo; desestalinização acabando com o culto desta figura que representa uma “grandeza sinistra” da Rússia apoiada em milhões de mortos, poder militar, “bulling” e agressividade; e, finalmente, democratização, promovendo eleições livres sob supervisão internacional, libertação de todos os prisioneiros políticos e comunicação social livre. Só depois de tudo isto é que as sanções deveriam ser levantadas.

O regime de Putin é inimigo da liberdade e da democracia e é assim que deve ser tratado.

4. Temos de começar a distinguir as coisas. Não é justo, e disso também me culpo, referir os russos e a Rússia como responsáveis desta guerra. É a “guerra de Putin”, é a “invasão de Putin”. Não é a “guerra russa” ou “da Rússia”. O agressor é Putin e a máfia que o rodeia. A esmagadora maioria dos russos são pessoas de bem, enganados pela máquina de propaganda do Kremlin. As vítimas, não são só os ucranianos. São também os soldados russos, as suas famílias e amigos. Corte-se a cabeça ao monstro e teremos a paz.

5. Apesar do que muitos possam dizer, não tem mal nenhum sentirmo-nos mais afectados por uns eventos e menos por outros. São inúmeros os factores que nos condicionam e, a proximidade, é um deles. Seja proximidade geográfica, cultural, histórica, afectiva, religiosa, seja ela qual for. Sentir mais a guerra na Ucrânia do que sentimos na Síria, não é pecado. Estamos, civilizacionalmente, mais próximos de uns do que dos outros. Não querendo com isto dizer que, as imagens de destruição e morte que nos chegam da guerra civil que grassa no país do Médio Oriente, nos deixem indiferentes. Podemos definir isto como “dimensão afectiva”. Sofremos mais e conseguimos maior solidariedade com o nosso vizinho, do que com alguém que está longe e que não nos diz muito. Sofrimento é sofrimento, não o há melhor, nem pior.

6. A guerra é uma coisa estúpida, conduzida por pessoas estúpidas. Não tem sentido. Vai contra a civilidade, que temos a obrigação de procurar, e aproxima-nos, de volta, para a nossa ancestral bestialidade.

Só faz guerra quem não sabe concretizar a paz. Parece uma verdade digna do Sr. de La Palice, mas se pensarmos bem a guerra é o facilitismo dos tontos. Apoia-se sempre em pressupostos errados, em verdades mentirosas, em crenças e quereres desfasados da realidade.

7. Muito se tem falado, nos últimos tempos, do Ocidente. De um lado os russos e, do outro, o Ocidente. Ponhamos as coisas de modo claro, Ocidente significa o estado de direito, a democracia e a divisão de poderes, a propriedade privada, o mercado livre, o respeito pela diversidade individual, o pluralismo, a liberdade. Um país pode ficar no ocidente geográfico e não ser ocidental, e outro pode ficar no oriente e sê-lo.

8. Na passada semana, nestas páginas, saiu uma entrevista que merece ser lida. É um tratado sobre o que um líder não deve ser. Ainda me recordo de, em Janeiro de 2019, uma sondagem dar a Paulo Cafôfo, e ao PS, a vitória nas Regionais. Num encontro com um amigo socialista, disse-lhe que era só gerir as coisas, deixar andar, que o candidato só dissesse as vacuidades que costumava dizer e sorrir. Muito. Começou a falar e foi cada tiro, cada melro.

Continua o mesmo. Adora disparar para todo o lado e nem se apercebe que os tiros lhe acertam nos pés. Por mim, fico feliz que continue a fazê-lo. Devia dar entrevistas todas as semanas. Ok, está bem, perdoem o exagero... todos os meses. Depois de a lerem, passem pelo outro matutino e leiam o artigo de opinião do Inventor do Arroz de Lapas. É do mesmo dia.

Porque sou homem de hábitos, fico contente que o PS Madeira continue a ser o saco de gatos de sempre.