O século fatal
Há pouco mais de cem anos, a Europa mergulhou numa guerra que ninguém esperava. Naquele mês de Agosto de 1914, praticamente todos os decisores políticos estavam de férias, prova que nada de mau se iria passar, pelo menos a curto prazo. Depois, foi o que se viu.
Já houve quem classificasse a I Guerra Mundial de “guerra civil europeia”. De fato, não havia grandes divergências culturais entre os adversários; foi mais um conflito de imperialismos, o resultado de um Congresso de Berlim falhado.
Mas o balanço final do conflito, travado essencialmente em solo europeu, foi o declínio da Europa, e sobretudo dos valores de raiz europeia, como a Liberdade, a Democracia e o primado do Direito. No intervalo das duas guerras mundiais, a moda foram os regimes totalitários ou, no mínimo, autoritários, com as exceções, na Europa Central, da Suíça e da Checoslováquia.
A Segunda Guerra Mundial, travada em grande parte em solo europeu, relegou a Europa para segundo plano, no concerto das Nações. O que se seguiu foi um longo caminhar para a recuperação europeia, com bons resultados na economia, mas fracos na sua afirmação estratégica a nível mundial.
Depois do anunciado “Fim da História”, os conflitos tornaram-se mais frequentes, mais mortíferos, mais desumanos. Como consequência, torrentes de refugiados confluiram para a Europa, apesar de tudo referência de Paz, de Tolerância e de Esperança.
O curioso é que essa migração maciça, só comparável às invasões bárbaras do Império Romano (também causadas por pressão externa), não se orientou para nenhum dos causadores, diretos ou indiretos, dos conflitos. Não se dirigiram à pujante América nem à renovada Rússia, mas à velha Europa.
Ou seja, voltámos a ser o palco de novas guerras entre imperialismos, não através de operações militares no terreno, mas de importação forçada das consequências de conflitos alheios.
Temos agora nova ameaça de um confronto direto para cá dos Urais. Desdobram-se as iniciativas diplomáticas, mas do jogo de quatro parceiros, Estados Unidos, Rússia, China e Europa, já se percebeu dois fazem bluff, um esconde o jogo e outro não sabe o que há de fazer.
Em todas as brilhantes análises abundantemente produzidas, não faltam previsões sobre os efeitos na economia, sobre o eventual reordenamento estratégico, sobre novas fronteiras, sobre novas alianças.
E, tal como em intervenções russas anteriores, os objetivos militares foram alcançados de surpresa, fazendo em horas o que deveria levar dias.
Mas ninguém fez a estimativa de baixas (dado importante para qualquer Estado Maior), nem para onde dirigir o inevitável novo fluxo de refugiados.
Aqui chegaram, empurrados por outros, suevos, alanos vândalos, visigodos. Já estamos habituados. Ultimamente, africanos e sul-americanos Os ucranianos já são considerados como parte integrante da nossa população. Mais um condimento para o melting pot deste extremo da Europa, ou, como pretendiam alguns integralistas, da miscigenação lusitana.
Será este o epílogo do século fatal da Europa?