Guerra pode afectar eleições em França, Hungria e Sérvia
A invasão da Ucrânia pela Rússia está a ter impacto na pré-campanha para as presidenciais em França e pode marcar outros atos eleitorais previstos para abril no continente europeu, como as legislativas da Hungria e da Sérvia.
A conclusão resulta de um debate sobre a questão realizado ontem entre especialistas, jornalistas e académicos da Hungria, Sérvia e França, organizado pelo Press Club Concordia, com sede em Viena.
Sylvie Kauffmann, da direção do jornal francês Le Monde e antiga correspondente da Agência France Presse em Moscovo, disse que a questão da Ucrânia, invadida pela Rússia no dia 24 de fevereiro, está a dominar a campanha presidencial em França que se esperava ficar marcada pela pandemia de covid-19.
As questões ligadas à crise sanitária "quase" desapareceram do debate político francês e a guerra na Ucrânia é o tema central da campanha, com impacto favorável na candidatura do Presidente Emmanuel Macron, indicou a jornalista.
Macron, o favorito de acordo com as sondagens, anunciou muito tarde a recandidatura "devido aos compromissos diplomáticos" como chefe de Estado e líder rotativo do Conselho da União Europeia.
Ao contrário, referiu Sylvie Kauffmann, a guerra na Ucrânia tem tido reflexos "negativos" em três candidatos franceses "pró-Kremlin": Jean-Luc Mélenchon na extrema-esquerda, Marine Le Pen e Éric Zemmour na extrema-direita.
Nas últimas eleições presidenciais a líder da Aliança Nacional contou com empréstimos bancários de instituições financeiras de Moscovo (quando o partido que liderava ainda se chamava Frente Nacional), mas, neste momento, Marine Le Pen não consegue financiamento da Rússia porque "seria mau para a imagem" do partido, tendo tentado obter ajuda financeira junto dos bancos da Hungria.
"Le Pen e Éric Zemmour, que conta com o apoio do partido Reconquista, estão numa posição difícil porque disseram há menos de um ano que (o Presidente russo Vladimir) Putin jamais iria invadir a Ucrânia, sendo que todas as declarações favoráveis a Putin no passado estão a ser recordadas neste momento em França, o que tem sido embaraçoso para eles", disse Sylvie Kauffmann.
Zemmour, em particular, acabou por condenar a invasão, mas atribuiu culpas à NATO e tem sido contra as sanções contra a Rússia. Desceu significativamente nas sondagens e passou para trás de Marine Le Pen.
"A líder da Aliança Nacional tem sido mais perspicaz, é mais pragmática. Não se mostra contra as sanções, mas diz que as medidas não podem afetar os franceses", explicou Kauffmann. recordando que Macron mantém-se à frente nas pesquisas sobre intenções de voto.
Neste momento, Macron tem 30% das intenções de voto dos franceses e em segundo lugar está Le Pen com 16%. A primeira volta das eleições presidenciais francesas está agendada para 10 de abril e a segunda volta está marcada para o 24 do mesmo mês.
"Mélenchon (ex-membro do Partido Socialista) tem 11% das intenções de voto e está a sofrer também devido às posições ambíguas que tomou sobre o regime de Putin no passado", referiu a jornalista do Le Monde.
A França, a Hungria e a Sérvia são os três primeiros países da Europa a realizar eleições desde o início da ofensiva russa na Ucrânia e os dois últimos têm os escrutínios marcados já para dia 03 de abril.
Aliado de Putin, Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria e presidente do partido Fidesz, no poder, gere "diariamente" a questão da guerra na Ucrânia, tentado evitar o assunto das antigas relações entre Budapeste e Moscovo.
No debate político mantêm-se as decisões que ainda se esperam da União Europeia sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apresentado pela Hungria, processo que continua por resolver devido às violações do Estado de Direito no país e que colidem com os princípios do bloco europeu.
Botondo Feleday, especialista húngaro em relações internacionais e membro do Centre of Euro-Atlantic Integration and Development, disse hoje que Viktor Orbán tem evitado falar no nome do chefe de Estado russo e nos últimos dias tem "explorado" sondagens que indicam que 72% da população defende a "equidistância" de Budapeste em relação a Bruxelas e a Moscovo.
De acordo com Feleday, trata-se do típico debate húngaro sobre os "dois lados" ou sobre o "Leste" e o "Ocidente", sendo que "o Leste, nesta altura, vai muito além da Rússia e chega à República Popular da China que financia muitos projetos no país".
Por outro lado, o especialista explicou que esta semana o Fidesz e as forças da oposição estiveram envolvidos em ações políticas enquadradas nas celebrações do 15 de março de 1948, "um dos muitos momentos em que os húngaros lutaram contra o Kremlin, não contando com a invasão soviética de 1956".
Feleday disse que o primeiro-ministro húngaro tentou passar a mensagem de que o governo tem de manter a distância de Bruxelas e de Moscovo.
"A oposição demonstrou posições pró-ativas a favor da Ucrânia, apoiando o envio de armamento para as forças de Kiev, mas o partido no poder mantém-se cauteloso com as palavras", notou Feleday.
Sobre a histórica minoria húngara residente nas Ucrânia, Fedelay referiu que as notícias são escassas e que o pouco que "se sabe" é que parte da comunidade de cidadãos da Hungria em território ucraniano se mostra dividida depois da invasão russa do leste do país e da anexação da Crimeia, em 2014.
Na Sérvia, com eleições locais a 03 de abril, além das legislativas antecipadas, verifica-se a manutenção do posicionamento tradicional das forças no poder em relação à Rússia, indicou Jovan Teokarevic, professor de Ciência Política da Universidade de Belgrado.
De acordo com o académico sérvio, os meios de comunicação locais controlados pelo governo publicam "factos do conflito", mas não escrevem sobre os contextos da guerra nem expressam "pensamento crítico" sobre os acontecimentos.
"Para o discurso oficial de Belgrado, o regime russo, em termos gerais, tem sempre razão: quando faz vacinas, quando faz guerras ou quando é protagonista de qualquer tipo de intervenção porque aqui esperam que (o Kremlin) esteja sempre a servir os interesses da Sérvia", disse Jovan Teokarevic.
O Partido do Progresso (SNS), do Presidente populista Aleksandar Vucic, lidera as sondagens, mas a oposição espera mais participação nas eleições e mudanças na autarquia de Belgrado.
Grupos de direitos humanos e a oposição da Sérvia acusam o chefe de Estado de autoritarismo e de repressão contra a imprensa independente. Os principais partidos da oposição boicotaram as últimas eleições e criticaram a falta de liberdade e igualdade no processo eleitoral.
A ofensiva militar da Rússia na Ucrânia, que entrou hoje no 22.º dia, já matou mais de 700 civis e feriu pelo menos 1.170, incluindo algumas dezenas de crianças, provocando 3,1 milhões de refugiados, segundo a ONU.
A UE e vários países, incluindo os Estados Unidos, Reino Unido, Japão e a habitualmente neutra Suíça, impuseram duras sanções contra interesses russos, desde a banca ao desporto.