Confinamentos devem deixar economia chinesa aquém da meta oficial
A campanha da China para suprimir surtos de covid-19 em importantes cidades costeiras, com duras medidas de confinamento, deve deixar o país aquém da meta de crescimento económico, de 5,5%, dizem analistas.
O país está a enfrentar o seu pior surto desde o de Wuhan, onde os primeiros casos de covid-19 foram diagnosticados, no final de 2019.
A Comissão Nacional de Saúde relatou 1.860 casos locais, nas últimas 24 horas.
A China pratica uma política de "tolerância zero" à covid-19. O número de casos, apesar de pequeno, comparado com outras partes do mundo, tem justificado a imposição de medidas de bloqueio de cidades inteiras, com os residentes proibidos de sair de casa, e a realização de testes em massa.
"A situação da covid-19 na China deteriorou-se, a um ritmo alarmante, na semana passada (...) a economia chinesa pode voltar a sofrer um impacto severo", escreveu Lu Ting, analista do grupo de serviços financeiros japonês Nomura, num relatório.
"Pensamos que a meta de crescimento [económico] de 'cerca de 5,5%' da China para este ano está a tornar-se cada vez mais irrealista", acrescentou.
A meta de 5,5% foi fixada pelo Governo chinês durante a sessão anual da Assembleia Nacional Popular, o órgão máximo legislativo da China, que decorreu este mês, em Pequim.
A Nomura manteve a sua previsão para o crescimento da economia chinesa durante 2022 em 4,3%, muito abaixo da meta oficial.
O surto do novo coronavírus coincide com a guerra na Ucrânia, que colocou Pequim numa posição sensível, face ao seu relacionamento com Moscovo, e levou a um aumento dos preços das matérias-primas, sobretudo dos combustíveis fósseis, dos quais a China é altamente dependente.
As empresas chinesas registaram, na segunda-feira, o seu pior dia na bolsa de valores de Hong Kong desde a crise financeira global de 2008.
O Hang Seng China Enterprises Index, índice composto pelas maiores empresas da China continental, fechou a cair 7,2%. O Hang Sang Tech Index, que junta os grupos tecnológicos, caiu 11%.
Nos dois primeiros meses do ano, os principais indicadores económicos da China registaram forte crescimento, em termos homólogos. As vendas a retalho cresceram 6,8%; o investimento em ativos fixos acelerou 12,2%; e a produção industrial cresceu 7,5%.
O porta-voz do Gabinete Nacional de Estatísticas, Fu Linghui, admitiu que o agravamento da situação pandémica vai afetar a recuperação das economias nas cidades e províncias onde estão a ser impostos bloqueios, mas insistiu que a economia chinesa está a recuperar.
"A China adquiriu vasta experiência no controlo da pandemia. O conjunto de medidas adotadas é capaz de conter a propagação da pandemia e minimizar o impacto económico", previu.
Shenzhen, que é sede de vários grupos de tecnologia, incluindo a Huawei e Tencent, foi colocada esta semana sob quarentena de facto, com testes em massa e restrições nas deslocações.
Os voos internacionais para Xangai, a "capital" económica da China, também foram desviados, à medida que as autoridades locais tentam conter a propagação do vírus.
Joerg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China, apontou as interrupções nas operações locais de empresas estrangeiras, alertando para o "encerramento errático de empresas, bloqueios generalizados e restrições nas viagens".
"O impacto é bastante negativo e vai de mal a pior", disse.
O acesso a Pequim foi restringido. A capital chinesa suspendeu o ensino de acompanhamento pós-escolar, depois de pelo menos três crianças terem testado positivo ao novo coronavírus.
"O impacto dos bloqueios recentes provavelmente será maior do que durante os surtos anteriores de covid-19, desde o primeiro trimestre de 2020, com interrupções mais significativas nas exportações e nos serviços", apontou Helen Qiao, economista do Bank of America Merrill Lynch, numa nota publicada na terça-feira.
Wang Dan, economista-chefe do Hang Seng Bank China, alertou num relatório que o abrandamento da atividade económica nas regiões costeiras pode levar o crescimento económico do país para território negativo no primeiro trimestre.
"Como visto em 2020, deve tudo voltar ao normal no espaço de um ou dois meses", disse Wang. "Mas o impacto psicológico será maior, sobretudo para as pequenas empresas, à medida que a pandemia entra no seu terceiro ano", acrescentou.