Crónicas

A força de um povo

Todos sabemos como começa uma guerra mas ninguém sabe até onde ela pode ir. Não podemos por isso prever como esta irá acabar embora a diferença de forças não augure nada de bom

Dizia há dias um militar ucraniano, que embora ao nível do equipamento e material bélico o equilíbrio com a Russia fosse desproporcional, no que diz respeito à massa humana, a força está do lado da Ucrânia e que 1 soldado ucraniano vale por 10 russos, porque ninguém tem noção da força, do estimulo e da motivação que é “defender as nossas famílias, as mulheres, as crianças e a bandeira do próprio país contra um invasor cruel.” Na verdade, ao mesmo tempo que vamos assistindo à primeira guerra da era das redes sociais, onde tudo se mostra, se partilha e se comenta, conseguimos também perceber uma mensagem forte, de um povo determinado a não se deixar vergar e que nos tem comovido a todos, com as inúmeras histórias de civis e soldados, de milhões de refugiados que de um dia para o outro tiveram que abandonar as suas casas, perderam os seus empregos, deixaram para trás as suas vidas e vão recebendo as notícias possíveis da família e amigos que deixaram para trás, através dos telemóveis.

Nesta guerra particular, a da comunicação, a Ucrânia vai ganhando aos pontos e conseguindo sensibilizar a opinião internacional atraindo para a sua causa militares de muitas e diferentes nacionalidades mas sobretudo apoio logístico, alimentar e de saúde tão importantes por esta altura. E é difícil para quem assiste de longe não se sensibilizar com a vontade férrea de uma nação de se manter firme em não deixar passar e não se deixar subjugar, perante quem vai atropelando todos os valores e conceitos de humanismo, dos mais elementares direitos de um ser humano, que no século XXI não deveriam ser sequer postos em causa. Os exemplos chegam-nos de todos os lados mas começam de cima. Um presidente ( Volodymyr Zelensky ) que não mostra medo ou receio de confrontar o inimigo e de se manter na linha da frente, no apoio à sua população, liderando sem se esconder e utilizando os meios que tem à sua disposição para motivar os parceiros, os cidadãos e toda a comunidade internacional. Essa será já uma das mais impactantes páginas desta história que ficará seguramente marcada nos livros que lhe farão jus.

Para nós portugueses, que sempre nos habituámos a viver em paz e segurança, torna-se até estranho ver imagens de pessoas a fugir do medo, do terror e do barulho de tiros e bombas. Parece-nos um daqueles filmes que costumamos ver na televisão. A verdade é que tudo isto é real e demasiado penoso para ser esquecido ou ignorado. Como será ter que abandonar tudo de um dia para o outro? Deixar tudo o que conquistámos, o que construímos e o que amamos em nome da sobrevivência? Dividir a nossa família deixando mulheres e crianças com a roupa que têm no corpo e pouco mais, entregues a uma sorte que que não escolheram, enquanto os homens são chamados a vestir uma farda militar que nunca conheceram ou experimentaram, de arma na mão, sem saber se estarão vivos para contar no dia seguinte?

Um militar partilhou aliás a esse propósito um vídeo que comoveu o mundo, recitando um poema de amor persa, em pleno campo de batalha coberto de neve. “Quem te dará a notícia da minha própria morte? O teu amor queimou até às cinzas, a floresta da minha alma” dirigindo-se claramente à mulher e ao filho que deixou para trás. Não é possível ficarmos indiferentes a esta loucura a que vamos assistindo, sem que nos coloquemos no papel destas pessoas que ainda há poucos dias, iam como nós para o trabalho, tinham uma casa para onde regressar e uma família com hábitos similares aos nossos. A força de uma nação que não se deixa vergar e vai aguentando estoicamente nas trincheiras das suas ruas, deve servir como inspiração para todos nós, que muitas vezes vivemos tão embrenhados no nosso próprio egoísmo e nas minudências da vida que nem damos valor a este cantinho de terra, nos confins da Europa, onde todos se sentem seguros e protegidos.

Todos sabemos como começa uma guerra mas ninguém sabe até onde ela pode ir. Não podemos por isso prever como esta irá acabar embora a diferença de forças não augure nada de bom. No entanto aquilo que alguém pensou que podia tomar em 3 ou 4 dias já vai durando bem mais e mesmo perante a força de todos os tanques, mísseis e aviões, pelo mar ou por terra, há uma coisa que podemos dar já por garantida. A capacidade de sofrimento, o orgulho próprio, o fazer das fraquezas forças, a resiliência e a força de um povo que não desiste, que não se cansa e não se atemoriza. Ficarão para a história.