A Guerra Mundo

Kiev continua a acreditar na ameaça de invasão pela Bielorrússia

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Ao final da segunda semana de invasão da Ucrânia pela Rússia, o desenrolar da incursão militar está a causar surpresa e a demonstrar fraquezas no exército russo, disseram à Lusa cientistas políticos nos Estados Unidos. 

"A guerra não está a correr bem a Putin", afirmou Daniela Melo, politóloga luso-americana especialista em relações internacionais que leciona na Universidade de Boston. "O que nós presumimos que eram as expectativas iniciais que ele tinha, de que esta seria uma guerra rápida em que o Ocidente não se quereria envolver e em que poderia pôr rapidamente um governo em Kiev, saíram furadas". 

Com notícias de que haverá falta de rações e de gasolina no contingente russo, a imagem do presidente Vladimir Putin e do seu exército está a deteriorar-se, algo que poderá enfurecer ainda mais o chefe do Kremlin. 

"O que estamos a ver ao fim de duas semanas é uma série de surpresas", disse o especialista em relações internacionais Everett Vieira III, professor na Universidade Estadual da Califórnia, Fresno. "Pensei que Putin atacaria de forma mais rápida e eficiente. O facto de que as forças ucranianas conseguiram resistir está a surpreender muita gente".

Considerando que isto "está a mostrar fraquezas no exército russo", o académico ressalvou que a expectativa é de que Moscovo endureça os ataques de forma esmagadora. "Putin ainda não mostrou todas as suas cartas e não fez o pior", sublinhou Vieira. 

É por isso que está a aumentar o receio de que a Rússia passe a ataques nucleares ou recorra a armas químicas. 

"O exército russo poderá ser significativamente mais fraco que o que qualquer um de nós pensava. Talvez Putin pensasse que, com 200 mil militares, só o número seria suficiente para dominar a Ucrânia, mas tal não aconteceu", disse Thomas Holyoke, chefe do departamento de ciência política na Fresno State. 

"Putin pode ficar tão zangado e tão descontrolado que poderá começar a usar armas nucleares táticas, cujo poder nuclear é potencialmente maior que a bomba que caiu em Hiroshima", explicou. Um dos problemas, disse, é que o Kremlin não pode aceitar uma derrota. "Vai escalar e escalar, daí o medo de que use armas nucleares. Ninguém sabe bem qual é o objetivo final aqui".

Para Jeffrey Cummins, reitor interino da Faculdade de Ciências Sociais em Fresno, alguns sinais apontam mesmo para cenários catastróficos. 

"Há sinais de alerta que mostram que Putin tem os olhos postos em mais que a Ucrânia", disse à Lusa. "Uma delas é o facto de esta ser uma invasão total, que está a tentar tomar o controlo de todo o país", contrariando as análises preliminares que apontavam apenas para a anexação de território ucraniano com movimentos separatistas. 

O ataque a áreas civis, com a destruição de hospitais pediátricos e maternidades, evidencia essa intenção e é algo a que Daniela Melo chama de "estratégia de rendição": infligir o maior número de mortes e horror para forçar à rendição completa. "E uma certa certeza de que nunca serão levados ao Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra", frisou.

Por outro lado, Putin disse que via a ocidentalização da Ucrânia como uma ameaça existencial para a Rússia. "Não sei porque é que não pensará o mesmo de outros países da Europa de Leste que se tornaram mais ocidentais, alguns dos quais entraram na NATO", afirmou Cummins. 

"Poderá colocar esses países na mira, porque falou de querer restaurar a antiga União Soviética e o império russo", continuou. "Se esse é o objetivo último, então a invasão da Ucrânia é apenas um passo numa tentativa muito mais alargada de expandir o território da Rússia". 

O que os analistas consideram, apesar da resistência, é que Moscovo tem capacidade para tomar o controlo da Ucrânia, ainda que demorando mais tempo. 

"Em termos de número de armas e de capacidade militar, o mais provável é que Putin consiga na mesma ganhar a guerra convencional e que chegue a um ponto em que consiga mudar o governo em Kiev", referiu Daniela Melo. "Mas aí também há uma grande probabilidade de uma insurreição e de um conflito muito longo"

Everett Vieira III deu o exemplo do Iraque, onde a insurreição dura há vinte anos, e disse que a Ucrânia pode seguir o mesmo caminho. "Salvo se houver uma completa aniquilação, consigo ver isto a durar anos e anos". 

Esse cenário indica que podemos passar a um jogo de espera. "O que é que aguenta mais tempo - a economia russa ou o interesse do Ocidente sobre o que se está a passar na Ucrânia?", questionou Daniela Melo. 

Sublinhando a complexidade da situação, que pode seguir em direções muito diferentes, a politóloga frisou que os efeitos negativos desta decisão de Vladimir Putin tornam difícil compreendê-la. 

"Não temos um tiro pela culatra político deste nível deste 1945", afirmou. "Temos a potencial criação de um estado pária, o isolamento internacional a um nível nunca visto desde o fim da II Guerra Mundial e o enfraquecimento geopolítico da Rússia, porque demonstrou que as suas forças armadas não são tão fortes nem tão organizadas quanto se acreditava". 

A isso junta-se o colapso da economia russa, que pode acontecer já este verão. "Putin precisa de uma porta de saída, mas ainda não deu sinais de estar pronto para o diálogo e para abdicar do que ele julga ser o direito a controlar a política interna e externa da Ucrânia", frisou Daniela Melo. 

No entanto, a especialista diz que ainda não há sinais de fissuras internas que levem a pensar num golpe de estado ou uma revolução dentro da Rússia. 

O que há, disse Thomas Holyoke, é embaraço e estranheza. "Putin queria uma vitória esmagadora, porque isso fá-lo-ia parecer muito forte", afirmou. "E agora o que parece é um tolo".