O bom, o mau e o casamento
Limitar-se a colar na coligação o preço da estabilidade política é muito pouco. Por isso tenho dificuldade em perceber a pressa para dar o nó. A coligação tem de ser política, não pode ser apenas matemática
Depois do vendaval eleitoral à esquerda, é difícil encontrar responsáveis pela razia parlamentar. No Partido Comunista, a questão da liderança não se coloca. No Bloco, nem sequer se comenta. Aos partidos de esquerda, o que falta em responsabilidade sobra em desculpas fantasiosas para o resultado. A culpa foi das sondagens, da bipolarização, da falsa bipolarização, do voto útil, da crise artificial e de Marcelo. Mas, então, porque não se demitem Jerónimo e Catarina? Simples. Porque comunistas e bloquistas não avaliam a sua atuação pelos resultados eleitorais. Especialmente quando os resultados são maus.
O bom: António Costa
Não há análise política que desvirtue o óbvio. A maioria dos portugueses validou nas urnas os últimos dois anos de governação socialista. De tal forma que confiou a António Costa uma surpreendente maioria absoluta. Não que Costa tenha sido um primeiro-ministro imaculado, isento de crítica, ou que esta vitória tenha servido de absolvição para os seus (muitos) pecados políticos. Mas é difícil, talvez impossível, ignorar que, com este resultado eleitoral, o secretário-geral do PS terá conseguido tudo o que queria. Primeiro, à custa do chumbo orçamental e da ameaça de um governo de direita, mobilizou os votos à sua esquerda. De tal forma que infligiu ao PCP o pior resultado em eleições legislativas. Costa juntou a esquerda e, no mesmo instante, arrasou-a. À direita, apesar do crescimento eleitoral, Costa semeou a confusão entre partidos e colheu a divisão entre eles. O Chega está encurralado, o CDS eclipsou-se e o PSD perdeu-se numa crise de identidade. Só escapou a Iniciativa Liberal. Por fim, veio o poder absoluto. A maioria que Costa pediu, e que depois se arrependeu de pedir, chegou com dois brindes. O PAN e o Livre. Dois parceiros menos exigentes e que servirão para comprovar a maioria de diálogo que o PS prometeu. Mas nem tudo são rosas no mar socialista. Pela primeira vez, o PS terá uma maioria absoluta para enfrentar uma crise económica. Acabaram-se as crises orçamentais e o bloqueio às reformas estruturais. Acabou-se a desculpa da geringonça. Agora é a valer. Portugal pode ter ficado refém do PS, mas Costa ficou refém da maioria absoluta.
O mau: Rui Rio
O mito desfez-se. Rio não era um excelente candidato a primeiro-ministro. Julgo que nunca foi. Não só porque essa eleição não existe, mas principalmente porque o presidente do PSD nunca se apresentou como verdadeira alternativa ao PS. E não o digo pela possibilidade admitida de viabilizar um governo de Costa. Rio não foi alternativa, porque não foi capaz de transmitir uma ideia diferente do País da que vendeu António Costa. Isso faz-se durante a campanha eleitoral, é certo, mas também ao longo da legislatura. Foi aí que começou a derrota eleitoral do PSD, na indisponibilidade de Rio para ser líder da oposição e para fiscalizar a governação do PS. Rio sempre tratou esse papel como se fosse um trabalho menor, quase indigno. Até que chegou a campanha e o alheamento de Rio em relação ao país real tornou-se evidente. Perdeu-se numa discussão ridícula sobre a pena de morte, teve tempo para ajustes de contas internos e ainda aconselhou Costa a perder com dignidade. Pouco ou nada se ouviu falar do programa do PSD para Portugal. Pelo menos nada de novo, nada que captasse a atenção. Até que, embalado pelas sondagens, Rio despenhou-se nas mesas de voto. Mas até no seu discurso de derrota o presidente do PSD conseguiu o impensável. Começou por chamar a si os louros da contabilidade da campanha eleitoral e lamentou a incapacidade de captar votos à direita, depois de passar a campanha a colocar o PSD ao centro. A Rui Rio, em noite de derrota, restou a dignidade de assumir que a sua liderança tinha chegado ao fim. Ainda que tenha sido em alemão.
O casamento: Coligação PSD-CDS
A pior noite da história do CDS fez eco na Madeira. Não é para menos. A saída da Assembleia da República de um partido fundador do regime democrático, com implantação histórica por todo o país, não é um pormenor que passe incólume. Mas também não é uma sentença de morte. Nem para o partido, nem para qualquer coligação de que faça parte. O que não se pode é confundir os conceitos, nem as eleições. Quem vota, fá-lo com propósito e em função do que está em causa. Basta comparar a vitória autárquica do PS no Porto Moniz e a derrota nas legislativas 4 meses depois. Ou, em Santa Cruz, o pleno autárquico do JPP em Setembro e a queda para 3ª força política em Janeiro. Importa, também, não confundir as coligações. A coligação que temos, pós-eleitoral, assenta num acordo político e num resultado aritmético. A sua saúde depende, principalmente, da avaliação que os eleitores fazem da governação regional. Não creio que alguém tenha votado nas legislativas nacionais com esse propósito. Por fim, resta a coligação pré-eleitoral que ainda não temos. Não sou, por princípio, contra essa possibilidade. Mas julgo que a mesma tem de ser precedida por uma profunda reflexão interna, no PSD e no CDS. E dessa discussão tem de resultar um programa que seja mobilizador, para os partidos e para os eleitores. A vitória de Calado no Funchal é prova disso. Limitar-se a colar na coligação o preço da estabilidade política é muito pouco. Por isso tenho dificuldade em perceber a pressa para dar o nó. A coligação tem de ser política, não pode ser apenas matemática. Especialmente quando não se conhece a valia aritmética de um dos parceiros.