Guerra constitui teste à parceria entre Pequim e Moscovo
A invasão da Ucrânia pela Rússia promete testar a parceria "sem limites", declarada pelos líderes chinês e russo, Xi Jinping e Vladimir Putin, respetivamente, há três semanas, depois de se reunirem em Pequim.
A China partilha com a Rússia a defesa por uma nova ordem mundial multipolar, apontando a redistribuição de poder, em contraposição com a hegemonia norte-americana.
As duas potências nucleares aproximaram-se, nos últimos anos, suscitando o espetro de uma aliança, que podia desafiar o Ocidente liderado pelos Estados Unidos numa nova Guerra Fria.
Mas a China tem muito a perder nesse cenário, já que a relação política com Moscovo não se traduziu em vínculos económicos ou sociais mais profundos. No conjunto, as exportações da China para a UE e o Reino Unido são quase dez vezes maiores do que para a Rússia.
O Presidente chinês, Xi Jinping, manifestou-se já contra a mentalidade da Guerra Fria, numa referência para aqueles que retratam a ascensão da China como uma ameaça.
O surgimento de um eixo China-Rússia está, assim, longe de ser inevitável, apontaram analistas.
"O conflito em curso na Ucrânia revelará se há um vínculo mais profundo ou se o relacionamento [entre Pequim e Moscovo] é, essencialmente, transacional", apontou Anthony Saich, especialista em assuntos da China, numa sessão de perguntas e respostas publicada no portal do Ash Center for Democratic Governance and Innovation, da Universidade de Harvard.
Saich apontou três ações possíveis, que indicariam que a "China se aliou de facto à Rússia": Pequim vetar, em vez de se abster, qualquer resolução da ONU contra as ações da Rússia, o reconhecimento de um regime fantoche na Ucrânia instalado pela Rússia, e a recusa em chamar o ataque de invasão, mesmo depois de terem sido confirmadas mortes de civis.
A China, junto com a Índia e os Emirados Árabes Unidos, abstiveram-se de votar, na sexta-feira, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU a exigir que a Rússia pare de atacar a Ucrânia. A China absteve-se, novamente, noutra votação, realizada no domingo.
"As duas abstenções mostram que a China adotou uma atitude mais prudente, face às críticas e protestos extremamente amplos em todo o mundo contra os ataques da Rússia", disse Shi Yinhong, especialista em relações internacionais da Universidade Renmin, situada no norte de Pequim.
Li Fan, professor de estudos russos na mesma universidade, afirmou que a China e a Rússia têm uma "parceria estratégica amigável", mas que a China não está a tomar partido na crise atual.
"Não é que a China apoie a operação militar da Rússia", disse.
A decisão da Rússia de colocar as forças nucleares em alerta máximo no domingo pode também tornar a China mais cautelosa.
Esse ato de equilíbrio ajuda a explicar as posições por vezes contraditórias de Pequim sobre a invasão da Ucrânia e os esforços das autoridades para evitarem comprometerem-se em certas questões.
A China disse que a soberania e a integridade territorial de todas as nações devem ser respeitadas, um princípio de longa data da política externa chinesa e que pressupõe uma postura contra qualquer invasão. Ao mesmo tempo opôs-se às sanções impostas contra a Rússia e apontou a expansão da NATO para o leste da Europa como a raiz do problema.
Para muitos dos países que estão a impor sanções, as ações da China equivalem a apoiar a invasão.
"Não se pode lançar uma tábua de salvação para a Rússia, numa altura em que está a invadir outro país", disse o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison.
Não é claro se Putin procurou o apoio de Xi, quando se deslocou a Pequim, por ocasião da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, em 04 de fevereiro.
A declaração conjunta emitida depois do encontro indicou que a "amizade entre os dois Estados não tem limites e que não há áreas 'proibidas' de cooperação".
Sem mencionar a Ucrânia, a declaração russo-chinesa opôs-se à expansão da NATO e às coligações que "intensificam a rivalidade geopolítica", uma provável referência aos esforços do Presidente norte-americano, Joe Biden, para reforçar os laços com outras nações democráticas, perante a ascensão da China.
O comunicado também apontou que "as novas relações interestatais entre a Rússia e a China são superiores às alianças políticas e militares da era da Guerra Fria".
Saich, da Universidade de Harvard, considerou que a declaração é um "passo dramático no relacionamento", mas acrescentou que é prematuro considerá-la uma aliança definitiva.
Há meio século, em plena Guerra Fria, foram a China e os Estados Unidos que encontraram causa comum contra a Rússia. Este mês marca o 50.º aniversário da viagem do então Presidente norte-americano Richard Nixon a Pequim, em 1972.
Na época, os laços da China com a União Soviética deterioraram-se, e os líderes chineses estavam preocupados com uma invasão soviética.
Cinquenta anos depois, as relações entre as três grandes potências transformaram-se. Os laços entre os EUA e a China atravessam um dos piores momentos, enquanto Pequim e Moscovo estão a aproximar-se.