Análise

Derrotas que a guerra impõe

Mais do que palavras, o drama da humanidade exige gestos concretos

Passamos a semana incrédulos. Acima de tudo por constatarmos que ao Mundo ideal, no qual cada um de nós é chamado a intervir, falta rumo, líderes e estratégia. Um drama com extensões regionais, mesmo que atenuado por diligências governativas que permitiram amparar e resolver problemas que afectaram turistas ucranianos de visita à Madeira, por manifestações públicas de disponibilidade para ajudar, por solidariedade expressa em tons de azul e amarelo e por algumas orações e apelos à paz. Quando estamos em guerra dificilmente alguém ganha o que quer que seja, pois como já escrevia, em 1939, o Papa Pio XII, “nada se perde com a paz, mas tudo pode ser perdido com a guerra”. Ora, colocar-se na perspectiva de obtenção de hipotéticos dividendos neste cenário que, em rigor, atenta contra a toda a humanidade, é abominável e actuar obstinado pela capitalização de descontentamentos a pensar nas ‘Regionais’ de 2023 é confrangedor. Foi à conta desta preocupante alienação, da dualidade de critérios na avaliação de perigos globais e das manobras que valorizam interesses mesquinhos e que subestimaram o poderio dos agressores que chegámos a um ponto de difícil retorno.

Acumulamos várias derrotas colectivas em poucos dias.

Distraímo-nos com banalidades colocadas na agenda por políticos sem escrúpulos que se acham mais importantes do que aqueles que defendem a sua terra sem a ajuda prometida ou por lunáticos locais cúmplices do sangue derramado, mas que por estes dias lavam as mãos cobardemente.

Não nos questionamos. Afinal, em que é que nos empenhamos? O que nos mobiliza de facto? Quais são as nossas prioridades? Quando é mais fácil juntar vontades nos carnavais domésticos e entretenimentos questionáveis do que estar ao lado de 50 ou 100 ucranianos que surgiram sozinhos nas manifestações feitas no Funchal, está tudo dito.

Pactuamos com a timidez revelada por vários quadrantes do Ocidente, como se a invasão de um Estado soberano fosse coisa pouca. Não admira que uma das frases dos primeiros dias de hostilidade surja em jeito de questão incrédula: "Como é que vocês se vão defender, se são tão lentos a ajudar a Ucrânia?", perguntou o presidente Volodymyr Zelensky, que outrora foi catalogado de palhaço, mas que continua a defender os seus.

Adiamos gestos concretos, mesmo que fartos de repetitivas reuniões de emergência, de ameaças utópicas, de ultimatos sem consequências, de sanções ridículas, de embargos cosméticos, nada que atinja imediata e eficazmente os propósitos bélicos e geoestratégicos dos ditadores russos. E não estamos a falar de bombas, de tiros, nem mesmo de ciberataques.

Não ouvimos os sons da guerra, entre os quais, o mais dilacerante, o choro das crianças ucranianas que se despedem dos pais obrigados a pegar em armas enquanto perguntam às mães se vão morrer.

Não fomos capazes de perceber que as guerras começam com pequenas brigas fomentadas por gente que não está em paz consigo mesma. E numa hora em que devia imperar o bom senso e importava intensificar a mensagem que os inocentes não têm que sofrer à conta de caprichos intoleráveis, fomos demasiado brandos.

Não é difícil imaginar o que uma guerra tira a quem nasceu para viver e a angústia que provoca mesmo que não mate. Mas deve ser cruel. E sobre esta atrocidade todos temos uma palavra a dizer.